free web creation software

Junho, Julho e Agosto


Surtos de inovação, desigualdade, e racionamento de cuidados de saúde na era Covid-19

Mobirise

Sara Ribeirinho Machado

Professora de Política da Saúde na London School of Economics and Political Science e Conferencista na AESE Business School

Os últimos meses trouxeram-nos uma avalanche de inovação. A propagação do coronavírus desencadeou um surto de I&D infelizmente comparável com as grandes corridas do século XX, ao armamento e até à Lua. Então como agora, é uma questão de vida e de morte, de defesa e proteção da sociedade. Uma diferença importante é a centralidade do sector da saúde neste surto de I&D. Uma nova doença é permite-nos analisar todas as suas dimensões, como se fosse um fio invisível que nos guia ao longo do sistema de saúde.

As soluções tecnológicas para prevenção de contágio multiplicaram-se e continuam em desenvolvimento. As estratégias de teste e rastreio, fundamentais para o controlo da epidemia, dependem da capacidade de identificar surtos de contágio, apoiadas por numerosas aplicações para smartphone, por exemplo. Há todo um conjunto de start ups a desenvolver diferentes tipos de teste, de deteção mais (ex. ebio25, SalivaDirect) ou menos (ex. Sherlock Biosciences) rápida, mas acessível, principalmente quando comparados com os testes de PCR que são, por agora, o gold standard. Enquanto as vacinas não atinjam a maturidade, continuaremos a depender destas tecnologias, e de outras seguramente em desenvolvimento, para conter a epidemia.

As soluções de vacinação, que poderão incluir mais do que uma vacina, estão também em pleno desenvolvimento, a uma velocidade nunca vista. A fase do processo em que estamos hoje, com vacinas em ensaios clínicos de fase 3, teria provavelmente demorado anos, se não fosse o grau de urgência da pandemia. As empresas de BioTech, em geral, e de mRNA, em particular, são as estrelas do mercado bolsista, como se pode ver pelo resultado da OPA da CureVac ou pela recomendação de compra de Moderna. As inovações de política de saúde estão a acompanhar este ritmo galopante. De facto, novas formas de contratualização de produtos farmacêuticos estão a emergir, tanto nos Estados Unidos, como na União Europeia.

As soluções de cuidados médicos virtuais estão também em ebulição. As gigantes Teladoc e Livongo anunciaram recentemente a sua fusão, naquele que é o maior negócio de saúde digital, até hoje, por 18.5 milhares de milhões de dólares, e que poderá ser seguido por uma OPA da MDLive. A rápida mudança de política de saúde que permitiu à Medicare reembolsar consultas de telemedicina a taxas comparáveis com visitas presenciais é um exemplo de mudanças estruturais que vieram para ficar, de uma forma ou outra, e que alimentam a inovação no sector de saúde digital.

Mas se a pandemia nos trouxe todo um conjunto de soluções, também nos fez dar conta dos problemas que contaminam os nossos sistemas e cuidados de saúde. Por exemplo, os lares de idosos e unidades de cuidados continuados de saúde foram gravemente atingidos pela pandemia, como se pode ver em Portugal, Reino Unido, ou Espanha, para mencionar alguns exemplos. A situação é grave, de acordo com o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mais de 40% das mortes atribuídas a Covid-19 estão relacionadas com unidades de cuidados continuados, chegando a mais de 80% em alguns países desenvolvidos (82% no Canadá). Na Suécia, no final de Abril, 25% das unidades de cuidados continuados registavam surtos, 67% das unidades em Estocolmo.

A gravidade da situação nos cuidados continuados, em tantos países, coloca-nos questões profundas. Estaremos perante uma escolha moral, em que há cidadãos cujas vidas valem menos que outros? Será uma escolha ativa ou passiva? Será um problema de agora, em estado de emergência criado por uma pandemia? Ou será resultado de uma sociedade que negligencia os seus cidadãos mais frágeis?

O relatório da OMS, mesmo não respondendo diretamente a estas questões, defende ser necessário que todos os países atuem, rapidamente, para que ninguém seja esquecido, nesta pandemia e não só. O desafio vai ainda mais além, ao referir que “os sistemas de saúde são responsáveis por acesso a cuidados de saúde seguros, acessíveis, económicos, e de qualidade, incluindo cuidados paliativos, para todos, sem discriminação.” A pandemia fez-nos ver que quem depende de cuidados continuados, seja onde for, é vulnerável, não só pela sua situação pessoal, mas também porque os sistemas de saúde não demonstram capacidade para lhes dar acesso a cuidados de saúde de qualidade, urgentes ou não.

Um segundo problema está relacionado com o surto de agravamento de desigualdades sociais, que correm o risco de se tornarem problemas crónicos acrescidos. Estas desigualdades não se limitam ao acesso a cuidados de saúde urgentes, como seria o caso de um doente com Covid-19. São questões endémicas que fazem com que alguns subgrupos da população tenham pior saúde, menos acesso a cuidados de prevenção, menos acesso a cuidados médicos para doenças crónicas, e elevada mortalidade. Há evidência de agravamento de desigualdades em saúde mental e mortalidade atribuída a Covid-19. As raízes destas diferenças variam de país para país, mas a situação socioeconómica (ex. Portugal) e a raça (ex. Estados Unidos e Reino Unido) são fatores determinantes.

Os problemas aqui referidos têm origem numa questão fundamental e da qual nem os sistemas de saúde, nem a sociedade, podem fugir. Cuidados de saúde são um recurso escasso e dispendioso. Há grandes dificuldades em aumentar (e diminuir) a oferta ao ritmo da procura, devido ao grau de especialização dos profissionais de saúde, à infraestrutura e logística, e à tecnologia de saúde, para referir alguns dos principais obstáculos. Dito de outra forma, é um sector bastante inelástico.

Grande parte do trabalho dos sistemas de saúde é tem como objetivo evitar que o acesso a cuidados de saúde seja determinado, única e simplesmente, por disponibilidade a pagar por parte do doente. Note-se que não se trata de um dilema que resulta da escolha entre um sistema de saúde público ou privado, que é uma falsa dicotomia. O sistema de saúde inclui todos, pagadores, prestadores, e população, sejam eles públicos ou privados, em coexistência mais ou menos pacífica.

Como referi nesta crónica, “ [com a Covid-19]O racionamento chegou às manchetes, mas é uma realidade omnipresente. Os sistemas de saúde têm recursos limitados e racionam a prestação de cuidados de uma de duas maneiras: preço, e mecanismos de racionamento sem preço. Sistemas de saúde tendencialmente gratuitos, como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) Português dependem principalmente de racionamento sem preço, por exemplo listas de espera para consultas de especialidade ou cirurgia.”

Contudo, existem diferentes tipos de racionamento sem preço. A questão das listas de espera, por exemplo, é mitigada pelo facto de haver um conjunto de pessoas que está disposta a pagar e dessa forma evitar o tempo de espera. Alguns produtos farmacêuticos têm tambºem elementos de racionamento, por exemplo produtos que se podem comprar ao preço de venda ao público, caso não sejam comparticipados.

O alarme gerado pela pandemia foi diferente. Havia o perigo de uma escassez crua, de não haver dinheiro que valesse para ter acesso a um ventilador. É um problema que o dinheiro não resolve. Ora, o sistema de saúde está também habituado a lidar com isto, num exemplo muito concreto: a alocação de órgãos de dadores falecidos.

De facto, o número de pessoas que sofrem de falência de órgãos excede em muito o número de órgãos disponíveis, em qualquer momento. Não pode haver troca monetária por um órgão, por lei, nem em Portugal nem na grande maioria dos países do mundo (o Irão é exceção). Portanto, os programas de transplante rotineiramente precisam decidir quem tem uma oportunidade de sobreviver à doença e quem é mandado para casa, independentemente de sua capacidade e disponibilidade para pagar por um órgão. O dilema ético está sempre presente e a recolha e alocação de órgãos foram planeadas, e são continuamente adaptadas, para garantir uma alocação equitativa e eficiente dos órgãos disponíveis.

Existem por isso soluções de política de saúde, em concreto listas de espera e prioridade de candidatos que determinam quem recebe que órgão e quando, com base em algoritmos com critérios clínicos claramente definidos. O sistema foi projetado para enfrentar desafios análogos à atual escassez de todo o sistema, pois há uma escassez crônica de órgãos vitais para transplante.

Um elemento essencial na alocação de órgãos é o processo de triagem inicial que culmina com a adição do paciente à lista de espera como candidato a transplante. Esse processo permite separar os critérios subjetivos, como expectativa de vida pós-transplante, características sociodemográficas ou mesmo capacidade de pagamento e acompanhamento dos transplantes, dos critérios clínicos que orientam o processo de matching entre ofertas de dadores falecidos e características dos candidatos a transplante. Uma vez na lista de espera, os critérios de urgência clínica determinam a classificação dos candidatos ao transplante. Esses critérios são baseados em escalas de gravidade específicas de órgãos com manifestações clínicas claras.

A situação atual, em Portugal, parece relativamente controlada, como se pode ver pela Figura. Se a curva não crescer muito, não atingiremos os piores prognósticos de escassez de recursos, o que seriam ótimas notícias. De qualquer forma, o racionamento em saúde continua a existir, e há que lidar com os efeitos colaterais da pandemia. Oxalá possamos contar com o surto de inovação, tecnológica e de política de saúde, para diminuir as desigualdades sociais que dela resultaram.



O Negócio do Espaço

Mobirise

Pedro Pimentel

Responsável Académica da Área de Economia, Finanças, Controlo e Contabilidade na AESE 

Na AESE Business School - escola de Direção e Negócios -temos obrigação de olhar para temas de Direção, transversais a todas as Empresas e Instituições e também de olhar para os diferentes sectores. No modelo Valero-Lucas que se utiliza em Política de Empresa, habituámo-nos a olhar para um dos seus pilares: o Negócio. Só depois vale a pena considerar temas de estrutura e de configuração institucional. Qualquer caso de estudo, independentemente da área funcional em que estiver enquadrado (Comercial, Pessoas, Marketing, Operações, Finanças,..) requer considerar em primeiro lugar o negócio em causa. Se não se conhece minimamente o Negócio associado ao caso em estudo a análise que se fizer tem todas as possibilidades de ser pobre e mesmo profundamente errada.

Numa altura em que se pensa numa estratégia para o país num enquadramento normal, pode ser interessante considerar o Negócio do Espaço (Space Industry) sobre o qual conversei com um amigo e colega do curso de Engenharia Aeronáutica que reencontrei depois de muitos anos. Baseado em Espanha, dedicou décadas da sua vida profissional à constituição e desenvolvimento de empresas de conceção de satélites. 

O upstream do Negócio do Espaço inclui de uma forma genérica o projeto de satélites, sistemas de apoio às plataformas de lançamento, sistemas associados ligados ao seu uso específico (sobretudo telecomunicações mas também sistemas de observação da terra, aplicações para projetos científicos específicos nas várias áreas do saber e do conhecimento, etc). 

A Eurospace, associação europeia que representa este sector na Europa e que inclui como associadas as empresas mais significativas, produz todos os anos um relatório que o caracteriza precisamente nesta dimensão upstream (que define com todo o rigor e precisão). 

  A versão sintética do relatório de 2019 que acaba de ser publicado poderá encontrar-se em https://eurospace.org/wp-content/uploads/2020/07/press-release-ff-2020-final-july-23.pdf.  

É um setor que fatura da ordem dos 100.000 M € a nível Mundial e que, pelas muitas aplicações downstream que tem e que o tempo levará a aumentar, tenderá a crescer de forma sustentável e significativa. O upstream proporciona as infraestruturas de atividades que todos conhecemos e de outras ainda desconhecidas e às que me referirei de forma resumida no final do artigo. 

Regressando ao upstream, na Europa, este sector teve em 2019 uma faturação de 8.747 M€ e empregou diretamente 47.906 pessoas. A Europa é o 4º bloco económico e representa 11% do total. Em primeiro lugar temos os USA (40%) seguido da China (21%) e da ex-URSS (18%); com alguma dimensão é necessário considerar ainda o Japão (5%) e a Índia (3%).  

Na União Europeia a França, Alemanha e Itália são os países mais activos, seguidos do Reino Unido e de Espanha. Em todos os outros países Europeus a faturação associada ao Espaço é pouco significativa. 

Em 2019, Portugal apresenta um emprego direto neste sector de 239 pessoas (integram a análise da Eurospace as seguintes empresas Portuguesas: Deimos Engenharia, Active Space Techologies, Frezite High Performance, Critical Software, Edisoft e GMVIS Skysoft). 

Trata-se dum sector que requer muita Engenharia e capital. A Engenharia Portuguesa é do melhor que há no Mundo (opinião não suspeita de muitos estrangeiros que trabalham connosco) e o capital está disponível para projetos bem estruturados num sector que já constitui um dos objetivos estratégicos da União Europeia. O investimento neste sector contribuirá (junto com muitos outros) para a almejada nova industrialização do nosso país com produtos/serviços de elevado valor acrescentado e com empregos bem remunerados numa atividade robusta e menos dependente de variáveis extrínsecas dificilmente controláveis que introduzem fatores de risco de difícil gestão.

O investimento no upstream permitirá uma presença mais significativa nas atividades a jusante, o referido “downstream" que se relaciona com as aplicações dos satélites, isto é a venda destes sistemas às empresas de telecomunicações, de observação da terra, de sistemas de navegação, etc. Os clientes poderão ser governos (o que se chama o downstream institucional) ou empresas privadas (o downstream comercial). Umas décadas atrás esta parcela do negócio era sobretudo institucional com as Agências Espaciais (NASA, ESA,…) como únicos clientes. Atualmente esse mercado institucional que continua a existir para projetos científicos, viagens interplanetárias, etc., convive com o mercado privado ligado às telecomunicações, aos sistemas de posicionamento por satélite e à observação da Terra (ainda pouco expressivo mas com um tremendo potencial de crescimento unido a técnicas de IA para a agricultura, meio-ambiente, mudanças climáticas, antecipação de desastres naturais, urbanismo, cartografia, extração de minérios, pesca, controle de fronteiras, meteorologia, biodiversidade, etc.); os mercados futuros serão os do turismo espacial (já viajaram vários turistas à ISS – International Space Station – pagando valores da ordem dos 20 M €) e, a médio prazo, o que se refere à exploração mineira de asteroides onde se encontram grande quantidade de oro, platino e outros minerais estratégicos.

Não me cabe qualquer dúvida que, felizmente, há muitas pessoas no nosso país a olhar para este sector e com projetos em carteira. Oxalá se concretizem com rapidez e arrastem muitos outros. Para tal, existem condições e a necessidade não pode ser mais óbvia. 

 Pedro Pimentel 

Prof. de Finanças da AESE


Mobirise

Rafael de Lecea

Professor de Política de Empresa da AESE

Valores e Iniciativa


De vez en cuando nos llegan algunas reflexiones que, por alguna razón, causan en nosotros un impacto especial, se quedan en nuestra mochila, y están siempre cerca cuando las necesitamos.

En mi caso, una de ellas es la del psicólogo norteamericano Howard Gardner (1)  que decía de forma valiente: “En realidad, las malas personas no pueden ser profesionales excelentes. No llegan a serlo nunca. Tal vez tengan pericia técnica, pero no son excelentes. No alcanzas la excelencia si no vas más allá de satisfacer tu ego, tu ambición o tu avaricia. Si no te comprometes, por tanto, con objetivos que van más allá de tus necesidades para servir a las de todos.”. El “servir y servir”, uno de los muchos legados del Profesor Luisma Calleja.

En esta línea, concretando algunos valores humanos de referencia, están también las conclusiones, que acaban de hacerse públicas, de un estudio del Profesor del IESE Luis Mª Huete y del Alumnus Antonio Núñez, conocido head hunter (2). Se trata de las competencias necesarias según los CEO para afrontar la gestión de la crisis durante los próximos años. Ese futuro que tanto nos ocupa a los Profesores de Política de Empresa. Señala el estudio que una gran parte de esos profesionales han destacado como claves valores como la ejemplaridad, la cercanía, la humildad, el optimismo y la valentía.

Lo que me motiva a compartir estas reflexiones y datos es la impresión, que rescato de mi experiencia profesional y docente, de que muchos de esos valores se encuentran en una gran parte de los emprendedores que he conocido.

Y esto viene a propósito de mi convicción de que, una vez más, sólo conseguiremos superar esta situación terrible con el espíritu de los emprendedores. De esas personas que con algunos, o muchos, de estos valores, y gracias a ellos, tienen éxito en la tarea de creación de riqueza y de trabajo para las personas. Unas veces desde cero, otras, aún más complejas, desde un paisaje adverso, como el que ya hemos empezado a vivir, y que será duradero.

Una de las maneras que tenemos de buscar dónde están hoy los emprendedores es en lo que se denomina coloquialmente ecosistemas de startups. No es la única “ciudad” donde reside la iniciativa empresarial. Las actitudes que llevan a crear (o reconstruir) empresas siguen estando por todas partes y en todos los países con los que tengo una mayor relación, Europa y América Latina (3).

Pero sí puede resultar ilustrativo de la manera en la que hoy tratan de sacar adelante sus empresas jóvenes que comparten esos valores que comentábamos, amparados (aunque no demasiado, no se puede sustituir su trabajo ni su ambición) por esos ecosistemas de instituciones, por ejemplo, académicas y financieras.

Se dice que muchas de esas empresas, la mayor parte, no sobrevive. Cierto, pero esto tampoco creo que sea una novedad si estudiamos la Historia económica del S.XX en países talismán de la creatividad como los Estados Unidos.

En una de mis lecturas recientes me han interesado las visiones de un grupo de empresarias de start-ups, mujeres, entrevistadas en un trabajo de periodismo económico. Aproximaciones y perspectivas cada vez más necesarias en esta sociedad que reclama frescura, sentido común, capacidad de trabajo e imaginación. Un estilo propio.

Algunas de estas reflexiones que me parecen interesantes y que reflejan alguno, o varios, de esos valores clave, son las siguientes:

• “No sé si ser innovador y saber adaptarse es suficiente, pero sí es una buena base para afrontar los retos de mercados cambiantes” (Diana Morato, cofundadora de Deliveroo en España).

• “En el liderazgo femenino son frecuentes cualidades como la empatía, la capacidad de escucha, la visión global y la predisposición a la colaboración, que son fundamentales para poder atravesar de la mejor manera la situación derivada de la pandemia”. (Muriel Bougeois, cofundadora de la empresa de libros personalizados para niños MiCuento).

• “Ser nativos digitales fue un plus que nos benefició. Liderar una startup hace que estés hecha de otra pasta, por la flexibilidad y la rapidez que debes tener. El estado de alarma nos hizo ponernos al límite de nuestras capacidades, tanto creativas como de producción y logísticas. Las mujeres, por norma general, son más empáticas y precavidas y esto creo que nos da ventaja en este tipo de situaciones. Nos permite anticiparnos a los problemas.”. (Sara Werner, cofundadora de Cocunat, cosmética 100% libre de tóxicos).

• “La incertidumbre es una de las consecuencias principales de esta situación... pero los emprendedores, por definición, estamos bastante acostumbrados a ella.” “El desafío ha consistido en compaginar esa normalidad en el día a día del negocio con los factores y circunstancias personales de los equipos, porque todos hemos pasado por altibajos emocionales, familiares o personales”. (Patricia Ratia y Marta Nicolás, de Samyroad, compañía especializada en marketing de influencers que se ha expandido por Europa y Latinoamérica).

• “Nuestros actos individuales son capaces de transformar el mundo”. “En el primer consejo de administración tras el confinamiento me presenté con resultados y planes: habíamos seguido contratando a personas, todo el equipo teletrabajaba, los clientes tenían sus facturas readaptadas a las necesidades surgidas durante el estado de alarma y manteníamos nuestras campañas para revolucionar los tejados y convertirlos en centros de energías verdes.

¿Esa actitud tiene que ver con ser mujer? Sí”, afirma con rotundidad. (Carlota Pi, cofundadora de Holaluz, compañía de electricidad que ofrece energía 100% verde).

• “Actuar rápido es fundamental. Primero como obligación hacia el equipo que necesita entender su situación personal en momentos de elevada incertidumbre. Y segundo, porque la supervivencia de la empresa depende de ello”. (Haydée Barroso, Atani, 2019, plataforma global para la gestión e inversión de criptomonedas).

Parece clave, tener, y cultivar, nosotros mismos un conjunto de valores, de soporte moral en sentido amplio. Y favorecerlos, con ejemplaridad, en las personas que están en los equipos, acompañando nuestra iniciativa emprendedora. Para mantener la esperanza y la ilusión necesarias.

Agosto de 2020

Rafael de Lecea

Profesor de Política de Empresa

AESE Business School


(1)  Profesor de Harvard, autor de la teoría de las inteligencias múltiples. Entrevista al periódico La Vanguardia, Barcelona, 2016.

(2)  “Cómo el COVID está cambiando el perfil y la agenda de los CEO”. 2020. https://www.antonionunezmartin.com/descargas/Como_el_covid_esta_cambiando_el_perfil_y_la_agenda_de_los_CEOS.pdf

(3)  En el primer semestre de 2020 en España la inversión acumulada en startups es de 578M€, sólo 29 millones menos que en 2019. En operaciones, 206 (2019) vs 176 (2020). Publicación especializada “El Referente”.


Mobirise

José Miguel Pinto dos Santos

Professor de Finanças na AESE 

Improvisação não é flexibilidade 

É conhecida a pouca apetência dos portugueses pelo planeamento. Poucos profissionais planeiam a sua carreira, poucas empresas planeiam o seu desenvolvimento e o estado pura e simplesmente não planeia as reformas necessárias ao desmantelamento da superestrutura corporativa institucionalizada durante o Estado Novo e fossilizada no Novo Regime, reformas indispensáveis para o desenvolvimento económico e social nacional.

Planeamento é pensar imaginativamente sobre o que pode acontecer no futuro à nossa envolvente: aos nossos clientes e fornecedores, produtos e mercados, seja como profissional, seja como empresa, seja como estrutura política. E é refletir estruturadamente sobre como aproveitar esses acontecimentos para o desenvolvimento da nossa carreira, negócio e nação. O importante num processo de planeamento não são tanto os “planos que se escrevem” mas o “pensamento sobre o que pode acontecer” e “sobre o que se pode fazer”. Como Dwight Eisenhower dizia, “planning is everything, the plan is nothing.”

Menos conhecidas são as causas desta pouca apetência nacional pelo planeamento. Será genético? Não deve ser, uma vez que muitos portugueses se distinguem em empresas internacionais, com diferentes culturas organizacionais, pela sua visão e capacidade de preparar o futuro. Será viral? É duvidoso que um vírus se mantenha virulento há já tanto tempo, uma vez que moralistas, laicos e religiosos, vituperam esta incapacidade nacional pelo menos desde o século 17, e que desde então muitos nacionais se orgulham publicamente da sua capacidade de improvisação, desenrascanço e jogo de cintura, para já não referir o chico-espertismo e contos-do-vigário.

Observação atenta sugere, no entanto, outra explicação. O processo de decisão em grande número de organizações nacionais é pouco participativo e muito concentrado numa pessoa ou num pequeno grupo. Para além das muitas desvantagens que um sistema decisório assim “estruturado” acarreta, também conduz a mudanças abruptas e injustificadas de decisões e “estratégias”. Estas mudanças, ditadas mais pelo lado para o qual o chefe acorda do que por substanciais mudanças na envolvente estratégica, tornam qualquer tipo de planeamento inútil, uma vez que é mais a incerteza gerada no interior da organização do que a que existe nos seus mercados.

Mas, para quê planear se já somos tão flexíveis? Os portugueses não são flexíveis. Improvisação é sintoma de pouca flexibilidade, é o desenrascar de algo que não foi previsto, pensado e estudado. O génio, a visão estratégica, a qualidade de produto ou serviço, e a sabedoria de vida nunca são resultado do desenrascanço. São consequência da preparação, isto é, do planeamento.

Vida Económica (12-06-2020)



Mobirise

José Ramalho Fontes

Presidente e Professor na área de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School.

Tesla - 10 anos depois do IPO passa a ser a maior empresa do mundo no seu setor

No passado 29 de junho Elon Musk celebrou o 10º aniversário do IPO desta empresa, onde detém cerca de 20% do capital e o mercado de NY colocou as ações nessa data a $1009, com variações estratosféricas desde janeiro ($ 510) e $1499, à data da redação deste artigo, 29 de julho, sem deixar de recordar o valor da ação no lançamento, em 2010, $17. A Tesla está agora avaliada em 278 mil milhões de dólares, 6,5 vezes os 42,74 mil milhões da Daimler, dona da Mercedes-Benz!

Com esta valorização, a Tesla, que vendeu, em 2019, cerca de 390 mil carros em todo o mundo a partir das suas fábricas na Califórnia (Fremont) e em Shangai, residualmente, um total que é 1/6 das vendas da Ford, 1/20 das da GM e 1/27 das da Toyota, tornou-se a maior empresa do mundo do setor automóvel em cotização bolsista, onde, verdadeiramente ela não se sente inserida, como veremos no final deste artigo.

O que é que tornou possível este resultado, por um lado, e até que ponto isto não é uma bolha circunstancial esperando-se alguma correção em breve, por outro?

Olhando para estes 10 anos devem considerar-se três planos que, agora, já se sobrepõem: o que é visível no mercado com os seus produtos, as operações industriais que os desenharam e construíram e, na base, o plano estratégico que Elon Musk concebeu e foi implementando laboriosa e firmemente sem se desviar um milímetro, apesar de vários revezes da sua responsabilidade ou consequências naturais de uma empresa industrial que arranca do (quase) nada para colocar no mercado um automóvel quase totalmente disruptivo.

Os produtos Tesla

Os 5 ou 6 produtos base são bem conhecidos, embora a rapidez da evolução nos possa levar a esquecer a sucessão e as datas: em 2006, três anos depois da fundação da Tesla, em que Elon Musk não interveio, aparece no mercado o protótipo do Roadster, um automóvel desportivo elétrico baseado no chassis do Lotus Elise, empresa que se responsabiliza pela sua montagem. O seu lançamento foi sucessivamente atrasado pela ligação com a parte elétrica, mas também pela entrada executiva de Musk, que introduziu alterações de conceção e de pormenor que traduziram um estilo de industrial que aposta em colocar no mercado produtos perfeitos. Estas modificações atrasaram as entregas para 2008, tendo-se vendido apenas 2500 exemplares!

Em 2009 aparece o Model S, um sedan de luxo (preço de base $73 500) que foi considerado um automóvel perfeito – ganhou, nos EUA em 2013, o Prémio do automóvel do Ano, pela revista Motor Trend (1) pelas suas performances de condução e utilização, e confirma a Tesla como uma empresa com um brand semelhante às marcas de luxo europeias. A produção sofre sucessivos atrasos, mas as largas centenas de pré-inscrições pagas não desistem e a sua venda no estrangeiro é facilitada pelo modelo disruptivo de venda direta online. Uma nova etapa da Tesla que passa a competir no mercado mundial dos modelos de luxo – Mercedes, BMW, Audi, Jaguar e Lexus - ganhando cota de mercado, prestígio e notoriedade.

Para consolidar a sua posição de empresa de luxo e apostando no segmento dos SUV (2), uma moda mundial que se mantém desde o início deste século, lança o modelo X, em 2012, (preço de base $100.000) em que instala as portas basculantes para cima que se tornaram famosas no Mercedes 300 SL, desportivo de topo dos anos 50 e 60, mas que trazem pequenos problemas nos estacionamentos subterrâneos, etc. Apesar disso, este modelo representou mais um sucesso. Em 2016 apresenta o Modelo 3, (preço de base $35000) um produto para uma faixa populacional mais alargada, para lhe dar escala e sustentabilidade económica. E, mais uma vez, as entregas atrasam-se, mas os clientes aceitam a demora. Na sua gama de produtos, já em 2019, apresenta o Modelo Y, o SUV com base no Model 3, que volta a ter uma receção muito positiva.

Com uma criatividade verdadeiramente surpreendente já apresentou o protótipo de um camião pesado, o Semi e, com particular impacto na concorrência está a lançar, desde 2019, a Cybertruck, com entregas em 2021 (3), para atacar o segmento das carrinhas pick-ups, o terceiro maior do mercado americano, onde atuam com margens confortáveis, a Ford, o líder, a GM e a Fiat/Chrysler. Este modelo verdadeiramente disruptivo na estética e na conceção e tirando partido da motorização elétrica cada vez mais robusta, surpreendeu o mercado que começou por rejeitá-lo, mas está a mudar e as comparações com a concorrência na publicidade, possível nos EUA, estão a jogar a seu favor.

As características mais apreciadas em todos estes modelos são as ligadas à mobilidade elétrica e as funcionalidades oferecidas, mas as mais disruptivas são a conectividade permanente entre o veículo e a empresa, com trocas de dados nos dois sentidos, com reparações ou oferta de mais potência, via digital imediata, e a promessa de condução autónoma já possível em vários níveis, cada vez mais elevados. Passam de boca em boca as surpresas positivas destas funcionalidades, assim como a divulgação de alguns acidentes decorrentes da condução autónoma não corretamente utilizada.

Contudo, a empresa tem uma conceção disruptiva: vender primeiro, produzir depois! Musk, com a sua visão sempre ‘desalinhada’ considera que a Tesla realizou, com o Modelo 3 a maior campanha de crowdfunding do mundo: numa semana conseguiu 325 mil pré-reservas, traduzindo-se num valor de vendas futuras de 14 mil milhões de dólares: ‘More than just fans, Tesla believers help finance car production. The company launches pre-order campaigns to collect funds, adapting the crowdfunding strategy to the car manufacturing industry’.

O plano das Operações

No segundo plano, o industrial, até 2016 são múltiplos e sucessivos os problemas das operações na fábrica original, como está escrito nos manuais quando as empresas querem fazer tudo em casa, ao passar de uma fábrica artesanal – até 20 mil carros/ ano – para uma escala maior: atrasos na produção, como nos anos anteriores, custos muito altos e problemas de qualidade. A determinação pessoal de Elon Musk leva-o a adquirir, na Alemanha, um avião cheio de robots para automatizar a linha, agora com vários modelos, mas a sua implementação não é imediata e tem problemas de desadaptação do pessoal e despedimentos. De qualquer modo, Elon Musk já contava com isso e, no lançamento do Model 3, afirmou que a empresa iria entrar num manufacturing hell. Ao aumentar a gama aumenta a complexidade da produção em Fremont, mas já mais afinada com a robotização a conseguir ter na mesma linha de montagem os quatro modelos, como acontece na Autoeuropa, uma fábrica com a mesma capacidade, sem uma colaboração tão diversificada de fornecedores dada a maior simplicidade da motorização elétrica.

Mas os problemas de qualidade não desaparecem de repente e, em 2018, começam a aparecer largas centenas de carros Tesla espalhados por variadíssimos parques de estacionamento nos EUA, porventura com pequenos defeitos ou a necessitar de pequenas reparações ou a reprocessamentos maiores, antes das entregas. Em 29 de março deste mesmo ano, aliás, a empresa anunciou uma chamada à fábrica de 123,000 carros com potenciais problemas de corrosão num parafuso da direção.

A componente elétrica, absolutamente crítica, esteve baseada, desde o início, numa pareceria com a Panasonic, com quem construiu uma fábrica gigante em Reno (Nevada), o estado americano que ofereceu melhores condições à sua instalação. As suas baterias, que vem aperfeiçoando continuamente, dão-lhe muito provavelmente o título de líder mundial em performance com a maior densidade energética do mercado e o menor custo por kWh, dois trunfos que seriam de esperar por se dedicarem em exclusivo a este tema desde a fundação da marca (4). E a fábrica de Reno é a maior do mundo com uma produção anual de módulos de cerca de 30 GWh (equivalente a 270 mil Nissan Leafs), sendo as 10 seguintes chinesas e coreanas.

Na teoria das operações modernas, os produtos têm de se analisar na sua utilização normal que inclui a manutenção geral e as reparações que integram a promessa da marca e este serviço pós-venda é prestado normalmente pelos distribuidores, pelos agentes locais. Com o modelo de venda direta da Tesla, esse suporte desaparece e levanta novos desafios à empresa.

Embora já estivesse equacionado como de menor relevância porque os Tesla não têm um plano de manutenção e por se saber que o veículo 100% elétrico tem muito menos peças com desgaste, existem os inevitáveis problemas mecânicos, elétricos e eletrónicos ou os acidentes, etc. mais tradicionais os quais degradaram a perceção da qualidade prometida na entrega à porta do cliente. Por exemplo, na Noruega, o maior mercado para o modelo S, fora dos EUA, dadas as elevadas expetativas iniciais, a avaliação da marca pelos utilizadores desceu para os últimos lugares: depois de meses de inferno, anos de purgatório!? Mas a procura continua a crescer e, por exemplo, nos EUA, o Modelo 3 foi o mais vendido entre os 100% elétricos, em 2019.

O propósito da Tesla

Para a concorrência a Tesla é um “mistério” e duas empresas de grande relevância no setor automóvel ensaiaram parcerias: a Toyota compra uma participação de 2,4% em 2009 e vende à Tesla a fábrica NUMMI (5), mas vende a sua participação em 2014 e 2017, assim como a Daimler que também entra em 2009 e sai em 2014, ambas com valorizações significativas. Atualmente, não se conhecem outras parcerias ou participações do setor!

Embora todos reconheçam a realidade do sucesso da Tesla que o mercado e a bolsa sublinham, a crítica especializada ainda oscila entre os que acreditam que vai ser mesmo uma empresa de futuro e os que têm a convicção que é uma marca de nicho, que vai ter os mesmos problemas de independência que tiveram as europeias, isto é, desaparecerem por serem compradas por uma das maiores.

Como também todos esperam, quer os críticos quer os entusiastas, a Tesla vai consumindo capital sem obter quaisquer lucros. Desde 2013, quando levantou $1 bilião de dólares em dívida, até à data, em que levantou mais $5 biliões, só teve lucros nos últimos quatro trimestres e nunca num ano.

Importa por isso descer ao terceiro plano, o propósito da empresa, depois de ter considerado brevemente os outros dois planos tradicionais, dos produtos e das suas Operações. Em 2006, Musk apresentou seu segundo "plano diretor" para a Tesla, vinculando todos os produtos futuros a uma narrativa estratégica comum. Este plano atua como uma profecia auto-realizável, envolvendo clientes e investidores, melhorando assim as chances de sucesso da Tesla. Nele, Musk explica a sucessão de modelos: "O objetivo principal da Tesla Motors é ajudar a acelerar a transição de uma economia de queimar hidrocarbonetos para uma economia de energia solar. Para que isso aconteça, é fundamental que surja um carro 100% elétrico sem compromissos, isto é, não híbrido. (…) A estratégia da Tesla é entrar no topo, onde os clientes estão preparados para pagar um prémio e, em seguida, descer no mercado o mais rapidamente possível para aumentar o volume e conseguir preços unitários mais baixos em cada modelo sucessivo. (…) Quase todas as novas tecnologias têm inicialmente um alto custo unitário e isso não é menos verdade para carros elétricos. Assim, todo o free cash flow é investido em I&D para reduzir os custos e trazer o novos produtos ao mercado o mais rápido possível. Quando alguém comprou o desportivo Roadster, na verdade estava a ajudar a pagar o desenvolvimento do carro familiar de baixo custo”.

Em geral, Musk considera que a Tesla é uma empresa que pretende acelerar a transição do mundo para a energia sustentável, estabelecendo uma visão clara para o futuro, construindo um setor industrial do século 21 a partir do zero e reinventando o transporte e a energia por meio de software. A missão da Tesla não está focada nos seus produtos ou clientes, mas num propósito geral e os seus produtos são, apenas, meios de construir a sua missão e de cumprir sua visão. O seu propósito formal é transformar a humanidade / a sociedade num mundo sem poluição e a empresa precisa de ter resultados positivos para poder credibilizar a mensagem.

A bolsa, pelo seu lado, acredita no crescimento decorrente dos novos produtos a vender na abertura efetiva do mercado do automóvel elétrico, finalmente; aposta nas maiores margens decorrente do crescimento da produtividade da fábrica original e do sucesso da fábrica de Shangai, já a produzir após o confinamento da COVID-19 e a entregar carros no maior mercado do mundo de automóveis elétricos Também conta com o próximo arranque da fábrica de Berlim (2021?), que poderá ser construída vendendo créditos verdes às empresas automóveis europeias, com dificuldade em cumprir as 95 g CO2/ km, em 95% das suas vendas em 2020 e ano seguintes!

Se quisermos olhar para o futuro com os olhos do passado, poderemos considerar que a Tesla vai ser, no mundo dos automóveis elétricos, aquilo que foi a Ford, no início do século XX, pela sua estratégia de integração industrial completa e na massificação do seu novo produto. Com os olhos do presente, poderemos aproximar a Tesla da Apple, por uma idêntica busca de perfeição dos seus produtos, inseridos num ecossistema integrado.

(1)  A revista Consumer Report classifica o carro em 99%, a melhor avaliação até à data 

(2)  SUV, originalmente Suburban Vehicle, agora Sport Utility Vehicle

(3)  Numa semana, 250 mil reservas de compra, o que representa um potencial de vendas de mais de 10 mil milhões de dólares

(4)  As 2170 unidades montadas no Model 3, têm uma densidade energética 246 Wh/kg esperando-se chegar aos 300 Wh/kg e mesmo 500 Wh/kg com a aquisição da Maxwell. Custo: desde 323€ por kWh em 2014, até 105€, em 2017, com a introdução da GEN III, que só o Model 3 ainda usufrui. Estima-se que este valor é cerca de metade dos 200€ por kWh de baterias do Leaf, Nissan e Zoe, Renault.

(5)  NUMMI, New United Motor Manufacturing, Inc, desde 1984, uma joint-venture a 50% entre Toyota e GM para que a empresa americana aprendesse, na prática, o TPS, Toyota Production System


Mobirise

Diogo Ribeiro Santos

Professor de Finanças da AESE Business School e Consultor.

Dinheiro inteligente

Imagine que é dono de uma strart-up ou de um negócio com potencial de crescimento (porventura, é mesmo!). De que precisa para crescer? Capital. A quem vai pedi-lo? Basicamente, tem duas opções: o banco ou um novo sócio. Existem empresas cujo core business é serem sócias de outras: são as sociedades de capital de risco (SCR). O negócio dos bancos é simples: em linhas gerais, aceitam depósitos e emprestam o dinheiro depositado às famílias e às empresas, a troco de um juro. O negócio da SCR é igualmente simples: recolhe dinheiro dos investidores e coloca-o num fundo de investimento; usa esse dinheiro para comprar empresas, valoriza-as e vende-as com mais-valia.

Os grandes números de ambos os sectores, em 2018, foram os seguintes. Banca: 29 bancos, com 3.985 balcões em território nacional e um activo total de 340 mil milhões, dos quais 256 mil milhões são crédito concedido. Capital de risco: 48 SCR, que gerem 117 fundos de capital de risco, com 4,8 mil milhões de activos sob gestão. Destes activos, 82,6% são geridos por oito sociedades: ECS (24,2%), Oxy (24,0%), Caixa Capital (9,6%), Explorer (6,8%), Armilar (ex-Espírito Santo Ventures, 5,6%), Portugal Ventures (capitais públicos, 5,3%), Lynx (5,0%) e Dunas (2,1%). Das restantes, 38 estavam abaixo dos 50 milhões de activos sob gestão .

Voltando à questão inicial: deve o pequeno empresário com potencial de crescimento preferir um banco ou uma SCR para financiar o seu negócio? Existem cinco critérios básicos para nortear a escolha: 1) risco; 2) “dinheiro inteligente”; 3) o peso no negócio; 4) prazo da relação; e 5) finalidade do investimento.

1) Risco. Os bancos estão vocacionados para assumir risco financeiro, isto é, a possibilidade de perder o dinheiro que emprestam a um cliente. Defendem-se dessa possibilidade pedindo garantias (pessoais e patrimoniais) aos clientes. Não têm vocação, contudo, para acompanhar os altos e baixos do negócio (risco operacional): os empréstimos têm de ser pagos mesmo que o negócio não tenha corrido bem. Como correm um risco menor, podem exigir menos rendibilidade ao empresário (taxa de retorno ou de juro mais baixa).

As SCR estão preparadas para o risco financeiro e operacional. Entram no negócio como sócios e esperam realizar dinheiro vendendo a sua participação por um múltiplo elevado do investimento inicial (na gíria, fazer 2, 7, 14, 25 ou 100 vezes dinheiro). Até lá, podem abdicar de receber dividendos (caso em que nenhum outro sócio receberá). Como assumem mais risco, a rendibilidade que pedem é mais elevada: para que possam vender “fazendo muitas vezes dinheiro” a quota na empresa tem de crescer à custa da quota do empresário, que fica “diluído” no capital da empresa.

Espera-se que a SCR não tenha retorno garantido, e que suporte o risco de perder o dinheiro investido. Mas, já em 2000, Francisco Banha criticava as SCR portuguesas que exigiam rendibilidades anuais garantidas de 18%, quando o que o empresário pretendia era um sócio, com quem repartisse o risco do negócio . Esta tendência ainda hoje se verifica, com o pretexto de que o mercado bolsista está pouco desenvolvido, e que a dispersão do capital em bolsa não é uma forma normal de a SCR conseguir realizar a sua mais-valia. O investimento em capital de risco, quando levado a sério, lembra a anedota dos ovos mexidos com bacon, em que a galinha (o banco) está envolvida e o porco (a SCR) está comprometido.

2) Dinheiro inteligente. O banco é um puro fornecedor de dinheiro, o típico investidor passivo. Mesmo o gestor de conta mais diligente que, da parte do banco, acompanha o negócio da empresa e está atento às necessidades do cliente, não se envolve na gestão. Mas, para crescer, muitos empresários precisam de “dinheiro inteligente”, ou smart money, ou “dinheiro plus”, isto é, dinheiro acrescido do capital de experiência, conhecimento e redes do investidor. As SCR trazem mais ao negócio do que “apenas” dinheiro. Se são especialistas num sector ou fileira, certamente já resolveram problemas comerciais ou operacionais semelhantes aos que o empresário enfrenta. Viram onde outros falharam. Sabem reconhecer se uma variável diferencial é uma vantagem competitiva. Vêem a empresa “de fora”, são mais objectivos do que o empresário, e podem dar orientações úteis para a estratégia e para a gestão quotidiana.

As SCR podem e devem fazer mais do que isso. Obrigam a empresa a prestar contas regularmente, para estar a par do negócio e para incutir rigor na gestão. Ajudam o empresário a perceber que o seu negócio não pode ser um “one man show”, e que tem de delegar e partilhar responsabilidades. Estão prontas a intervir para solucionar os problemas mais complexos. Abrem novos mercados à empresa, apresentam-na a novos clientes, e integram-na em redes de fornecedores. Trazem competências de gestão, ajudando o empresário a recrutar ou colocando colaboradores em funções essenciais. Um estudo publicado no Journal of Finance conclui que as empresas financiadas por SCR mais experientes têm maiores probabilidades de entrar na bolsa.

3) Peso no negócio. Não é fácil dizer, sem mais, qual destes parceiros pesa mais no negócio. Em empresas muito endividadas, ou com contratos de financiamento avultados e com cláusulas muito restritivas, a liberdade de acção do empresário é muito limitada pelo banco. Por outro lado, muitas SCR preferem assumir posições minoritárias no capital, apoiando a gestão, em vez de gerir directamente. Outras investem montantes pequenos, que não lhes conferem grande relevância, e outras ainda abstêm-se de intervir na gestão e exercem um acompanhamento meramente formal. Não é de espantar, por isso, que o típico “investidor passivo” - o banco - tenha por vezes um peso no negócio superior ao do parceiro de capital - a SCR.

4) Prazo da relação. Os bancos gostam de ser parceiros estáveis e de longo prazo e procuram relações comerciais duradouras. O seu modelo de negócio assenta em vender produtos que suportem juros e comissões e conhecer bem o cliente reduz o risco de lhe emprestar dinheiro. As SCR, pelo contrário, pretendem, “entrar-valorizar-sair” em 5 a 8 anos, sem ficar ligadas à empresa depois da venda.

5) Finalidade do investimento. Os bancos comerciais especializaram-se em produtos de crédito desenhados para finalidades específicas. Apoio à tesouraria, leasing imobiliário, factoring, confirming, crédito documentário, renting, desconto de letras e livranças e tantos outros. Produtos padronizados podem mais facilmente ser oferecidos em larga escala e tornam mais custo-eficiente as análise de crédito e de risco. Se disser ao seu gestor de conta “Preciso de dinheiro para crescer”, ele responderá “tenho produtos interessantes para lhe mostrar”. Por exemplo, se já tiver vendas ou intenções firmes de compra, o desconto de facturas pode ser uma boa opção de financiamento. Se apresentar o mesmo pedido a uma SCR, a resposta será “mostre-me o seu plano de negócio”. E a solução será mais flexível e desenhada à medida.

Para concluir: bancos e SCR podem ser excelentes parceiros de negócio e a escolha entre ambos dependerá muitas vezes das preferências pessoais do empresário. “Dinheiro inteligente”, na acepção deste artigo, está no ADN das SCR. O que não é muito smart é aceitar investimento de uma SCR que não partilhe o risco do empresário e que apenas traga dinheiro para o negócio. Entre a cópia e o original, prefira o banco.

Diogo Ribeiro Santos


Mobirise

José Fonseca Pires

Professor Coordenador da Área de Fator Humano na Organização e Diretor do PADIS da AESE Business School.

Mobirise


A civilização do peixe-vermelho, de Bruno Patino

https://www.gradiva.pt/catalogo/47007/a-civilizacao-do-peixe-vermelho

Bruno Patino, director editorial da Arte France, e director da escola de jornalismo do Instituto de Estudos Políticos de Paris oferece um ensaio sobre o “mercado da atenção” e a “dependência digital”. Para além de oferecer dados sobre a dimensão destes fenómenos cada vez mais massificados, oferece estratégias pessoais e empresariais para os modelar e, sendo caso disso, os contrariar. Uma ode à liberdade, escrita por quem não se quer render à ditadura dos ecrán e dos gadgets.


Mobirise

Rita Lago da Silva

Diretora de Marketing & Comunicação da AESE

Mobirise


A World Without Work: Technology, Automation, and How We Should Respond 

Daniel Susskind

No início da IA, os especialistas procuravam modelar o pensamento das máquinas à imagem do pensamento humano. Os resultados não foram encorajadores. E continuámos seguros de que o futuro seria igual ao passado, em que as máquinas iriam causar alguma disrupção, alguns perderiam, outros ganhariam, mas, no fim, “ajudariam” os humanos. Mas, com o aumento do poder computacional e da capacidade de manipulação de grandes quantidades de dados, a aproximação mudou.  

Existem hoje máquinas que conseguem resultados, mas “pensam” de uma forma radicalmente diferente da dos humanos. É frequente ouvirmos e lermos histórias sobre máquinas que realizam tarefas que pensávamos serem apenas possíveis para humanos: desde fazer diagnósticos médicos, conduzir um carro, elaborar um contrato legal, compor música, desenhar um edifício ou escrever notícias.

Para quem, como a maioria das pessoas, depende do trabalho para ganhar dinheiro, como será viver numa realidade cada vez mais próxima, em que não teremos oportunidades suficientes para um trabalho bem remunerado?

No decurso do sec. XXI as alterações à nossa maneira de viver, ao contrário do que aconteceu na revolução industrial, não serão imediatas, mas sim incrementais. E este é o desafio fundamental para a forma com a nossa sociedade está estruturada.

O livro de Daniel Susskind, Prof. de Economia no Balliol College, University of Oxford, assenta em três pontos: A desigualdade social e a distribuição da riqueza; o crescente poder político das grandes empresas de tecnologia e o impacto na liberdade, na justiça social e na democracia; e a realização pessoal e o sentido de propósito.

Apesar dos desafios, o livro propõe, com um olhar otimista, pistas para uma sociedade em que a tecnologia será o motor de mudança social e económica.

https://www.danielsusskind.com/a-world-without-work


Mobirise

José Fonseca Pires

Professor Coordenador da Área de Fator Humano na Organização e Diretor do PADIS da AESE Business School.

Desde o início da crise da COVID 19, Gabriel Heras, médico numa unidade de cuidados intensivos em Espanha, viveu na linha da frente o combate à pandemia.

Um testemunho, na primeira pessoa, da experiência dos profissionais que se empenharam a salvar a vida dos seus doentes, ultrapassando a escassez de recursos, de pessoal, e de conhecimentos sobre uma das piores calamidades de saúde de que há memória.

O seu relato sublinha o companheirismo e a generosidade, ao mesmo tempo que dá relevo às carências do sistema de saúde que se quer adaptado para garantir a saúde e tratar com compaixão e humanismo todas as pessoas.

Gabriel Heras é um dos protagonistas do Caso “Hospital Infanta Elena” que se utiliza nos programas de saúde da AESE.


Mobirise

Fátima Carioca

Dean da AESE Business School.

Juntos. Relançar o mundo

Estamos todos conscientes do desafio que a pandemia nos colocou como país e à escala global e, mais do que nunca, ao olhar o futuro pós-covid, compreendemos que é decisivo estabelecer prioridades claras e unir forças. Neste mesmo sentido, o Programa da Presidência alemã do Conselho da UE, que se desenrolará durante este segundo semestre de 2020, colocou como meta: “Juntos. Relançar a Europa”. Na realidade, são duas metas. Uma primeira que visa o fortalecimento económico da Europa, apoiada em estratégias de sustentabilidade, inclusão e coesão social, inovação e digitalização. E uma segunda que afirma a necessidade de que esse caminho seja trilhado em conjunto, articuladamente, de forma a que todos os países europeus recuperem da crise instalada. 

Porém, persiste a razoável dúvida sobre se vamos ultrapassar a crise de forma adequada, duradoura e eficaz. Aquando da apresentação na AESE do livro “Esperança e Reinvenção”(1), coordenado por Luís Ferreira Lopes, uma vez mais, as perguntas surgiram: Conseguiremos não abdicar de critérios de sustentabilidade em nome de uma suposta eficiência económica de curto prazo? Continuaremos a viver a solidariedade e articular recursos como o fizemos durante a pandemia?


A minha resposta é que devemos, podemos e é muito bom que o façamos. 


Estados, empresas e organizações em geral, produtos e serviços devem considerar a sua responsabilidade social e ambiental. Já antes da pandemia vinha em crescendo a exigência pública para as empresas agirem de forma responsável e proativa. A crise apenas intensificou essa tendência. Muitas empresas foram forçadas, sob a pressão da pandemia, a reinventar-se, a mudar estratégias, a repensar abordagens e objetivos e fizeram-no mais rápido do que alguma vez imaginariam. Passaram a produzir ventiladores, máscaras, viseiras, álcool-gel, zaragatoas, vestuário, a fornecer alimentos a clientes diferentes, por outros canais, etc. Fizeram tudo isto não deixando de cumprir critérios de produção ainda mais rigorosos e contribuindo para um controlo mais eficaz do contágio. 

O espetro de uma recuperação suja começa, porém, a pairar. Olhando para a China, um dos primeiros países a reabrir, concluímos que a promissora melhoria na qualidade do ar verificada em fevereiro e março quando as suas fábricas, a distribuição e o transporte pararam, por agora já se esfumaram. 

Mas a temática da sustentabilidade não se reduz ao ambiente, devendo integrar, em simultâneo, a consideração da responsabilidade social. De pouco interessa salvar o planeta se não pudermos viver nele com dignidade. Muitos dos desafios atuais ligam-se diretamente com o uso (abuso) dos recursos disponíveis - água, energia, alimentos, matérias-primas – e os impactos que a sua utilização excessiva e descontrolada causa nas alterações climáticas, na biodiversidade, na produção de resíduos e desperdício. No entanto, as respostas ecológicas não se podem reduzir a um conjunto de soluções ambientais. A resposta necessita de ser integral e, desde logo, antropológica, afirmando a centralidade e primazia do ser humano em sociedade. 

Estamos a viver uma oportunidade única para inovar em modelos de negócios, serviços e produtos em torno de novas definições de valor. A própria digitalização como motor e acelerador da mudança, foi protagonista de uma mudança sem precedentes durante a pandemia. Mas há que não esquecer que subjacente a este progresso tecnológico e desenvolvimento económico devem estar / têm de estar critérios éticos muito claros. É imperativo - não é opcional - para as empresas adotar uma visão sistémica e de longo prazo, olhando o mundo e a sua complexidade, refletindo sobre o seu impacto no mundo e na sociedade. Envolve, naturalmente, fazer escolhas, optar por abordagens rigorosas e dar tempo. Exige coragem para reconhecer e audácia para responder a este desafio. Mas muitas oportunidades se abrem e, a seu tempo, é mesmo a única estratégia que compensa e que gera retorno a todos os níveis. 


A pandemia atingiu um mundo já instável, marcado por contradições. Por um lado, assistimos a falta de coordenação e até mesmo competição entre as pessoas, as instituições e países. Mas, por outro, fez-nos recordar que as nossas prioridades são partilhadas por outros e que a cooperação e a solidariedade são chave para encontrar soluções globais. Agora que estão em causa as medidas combinadas de estímulo à economia, vitais para a recuperação de cada país, é bom ter em conta que a coordenação entre os países tornaria as medidas de estímulo consideravelmente mais eficazes, enquanto que ações descoordenadas ou unilaterais podem agravar os custos sociais e económicos, direta e globalmente. 


De facto, as consequências sociais das medidas tomadas, nomeadamente em termos de pobreza e desigualdade social, tal como o vírus, não conhecem fronteiras. Para dar uma ideia, estima-se que no ano passado as remessas enviadas por trabalhadores migrantes enviadas para os países de origem totalizaram 554 biliões USD - mais de três vezes a ajuda ao desenvolvimento dispensada pelos chamados países ricos, segundo o Banco Mundial. Este ano, no geral e de acordo com uma estimativa das Nações Unidas, a pandemia prejudicou o poder aquisitivo de 164 milhões de trabalhadores migrantes que apoiam pelo menos 800 milhões de parentes. 


Devemos e podemos … Na realidade, em última instância, o que se pede a todos nos dias de hoje, é sobretudo uma mudança de comportamentos. Ora, neste momento, não há dúvida de que somos capazes de mudar hábitos e que podemos fazê-lo muito rapidamente. O confinamento encorajou muitas e muitas pessoas a adotar soluções digitais, seja por razões profissionais seja por razões sociais e, potencialmente, suavizou a adoção futura de tudo o que o que já conhecemos e o que ainda nem imaginamos. Além disso, fez-nos vivenciar estilos de vida diferentes, mais saudáveis e tendencialmente mais humanos não fosse a agressividade das medidas de distanciamento social. Fez-nos, por último, experimentar a fragilidade e vulnerabilidade do ser humano, individual e coletivamente. 


Perante esta realidade que vamos atravessando, deveria agora ser fácil comprometermo-nos com padrões de maior sobriedade na utilização e reutilização de recursos, mas muito em especial habituarmo-nos a olhar o mundo com um olhar diferente que valorize e integre convenientemente cada pessoa. E isso sim, é bom, mesmo muito bom! 

(1)Edição Guerra&Paz, Lisboa, 2020

Maria de Fátima Carioca

https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/deans-corner/maria-de-fatima-carioca/detalhe/juntos-relancar-o-mundo  


Mobirise

Jorge Ribeirinho Machado

Responsável Académico e Professor de Operações, Tecnologia e Inovação e Diretor do PDE da AESE Business School.

Mobirise


Competing in the Age of AI: Strategy and Leadership When Algorithms and Networks Run the World

by Marco Iansiti, Karim R. Lakhani 

Compreender o papel da inteligência artificial na definição do futuro das organizações é um dos tópicos mais importantes da atualidade. 

O livro de Iansiti e Lakhani é um livro muito bom, especialmente para os dirigentes de empresas que estão há pouco tempo a implementar a transformação digital e precisam de um ponto da situação actualizado – o livro é de 2020 – do que existe sobre inteligência artificial. Os dois professores da Harvard Business School:

- apresentam um modelo para repensar os modelos de negócios e de operações; 

- explicam como é que os choques entre empresas digitais e analógicas estão a mudar a concorrência, a estrutura da economia, e a obrigar as empresas tradicionais a repensar os seus modelos operacionais; 

- indicam as oportunidades e os riscos criados pelas empresas digitais; e 

- descrevem os novos desafios e responsabilidades dos líderes, tanto das empresas digitais como das tradicionais. 

Em resumo, o livro é uma visão completa, actual e interessante da tecnologia e de como esta está a mudar os negócios e o modo de operar das organizações.


Recomendação do Prof. Jorge Ribeirinho Machado



Para quando um regresso a uma normalidade sem Medo? 

Mobirise

Manuel Luís Rodrigues

Docente no King’s College London e Conferencista na AESE Business School

Tem sido muita a literatura publicada sobre os desafios que enfrentamos nos últimos tempos. Há, contudo, uma questão que persiste em todos nós: Quando poderemos regressar à normalidade?

A chegada da Pandemia alterou de forma dramática toda a nossa forma de organização em sociedade - Desde a forma como exprimimos os nossos afetos aos entes queridos, como trabalhamos ou aprendemos ou mesmo onde e como fruímos do nosso tempo livre.

O Covid-19 vem juntar-se a tantos e tantos medos que habitam o nosso inconsciente coletivo desde a mais tenra idade. Hoje cantamos “o medo que esteriliza os abraços”(1) . Estas palavras de Carlos Drummond de Andrade no poema “Congresso Internacional do Medo” de 1978 não poderiam ser mais atuais.

Vamos então por partes:

Começamos por enfrentar uma crise sanitária. O sucesso da crise sanitária depende tão só do nosso comportamento coletivo. São muitos os exemplos de Países que estancaram desde o primeiro momento a progressão do Vírus (tais como a Coreia do Sul, Japão, China) ao mesmo tempo que mostram ser possível, com mais medidas de contenção rigorosas e inteligentes, manter a economia em funcionamento sem confinamento. Qual foi a sua receita de sucesso? Aqui se destacam a eliminação das cadeias de transmissão com a identificação dos contactos dos casos confirmados e do seu isolamento profilático para o que é crítico a utilização de uma app de instalação necessariamente voluntária no telemóvel, que permita notificar todas as pessoas em risco por terem estado em contacto com um caso confirmado positivo; subsidiariamente, o reforço do isolamento obrigatório dos casos notificados para além do uso generalizado de máscara sempre que fora de casa. De acordo uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford(2) , se 56% da população britânica usar a aplicação de contact-tracing no seu telemóvel, seria possível suprimir a epidemia no Reino Unido. De facto, esta inovação tecnológica afirma-se como a única evolução disruptiva relativamente às medidas de contenção já implementadas aquando da gripe espanhola de 1918/20.

À crise sanitária sucede uma crise económica sem precedentes. Esta crise prevê-se que gere em Portugal uma contração do Produto Interno Bruto e um défice orçamental de dois dígitos. A nossa memória coletiva recorda-se bem o que sucedeu quando o nosso País tentou mitigar os efeitos da crise de 2009 com um acréscimo sem precedentes de despesa pública.

Com o Covid-19 é inevitável que o saldo orçamental se deteriore como resultado do ciclo económico adverso que se enfrenta, mas as lições aprendidas no passado (com o resgate de financeiro de 2011) apelam à necessidade de uma grande frugalidade em toda a despesa pública que não seja absolutamente necessária. Sabemos que as verbas anunciadas no último Conselho Europeu são um apoio importante, no entanto estes fundos devem ser reconduzidos tanto quanto possível para o financiamento de despesa certa e permanente já existente e não para aumentar o envelope de despesa pública e muito menos de dívida soberana (com a componente de fundos europeus com natureza reembolsável). Iria mesmo mais longe – os novos tempos recomendam que qualquer investimento público a realizar deva ser acompanhado de um estudo económico colocado em discussão pública que comprove o retorno no capital investido.

O nosso maior medo é tão só não saber o que esperar, ou o que fazer e sentirmo-nos perdidos como um barco à deriva levado pelas marés e correntes marítimas. Assim que esse não é o caso e o futuro está muito mais nas nossas mãos do que possamos pensar.

Primeiro, para a resposta à crise sanitária é necessário recuperar o tempo perdido. A 6/5/2020 na sequência do anúncio do desconfinamento escrevia no Dinheiro Vivo que não havia dúvida que desconfinar com um risco de transmissibilidade próxima de 1 significaria, com uma probabilidade de 1, o aumento do número de infeções (que se veio a verificar). Assim na gestão da crise sanitária necessitamos de colocar mais meios ao serviço da prevenção e da eliminação das linhas de transmissão do Covid-19 de forma a comprimir o factor de transmissão abaixo de 1.

Sabemos que o reforço da dotação do orçamento do SNS não chegou a 0,26% do PIB(3) (504 M€) quando o reforço de verbas com impacto orçamental direto ou potencial adotadas na mitigação do impacto económico do COVID-19 se elevou a 7.93% do PIB (16 834 M€)(4) . Estamos cientes que as verbas públicas alocadas ao apoio económico do COVID-19 apenas compram tempo e que a raiz do problema reside na gestão da crise de saúde pública. Assim é necessário ponderar se não estaremos a alocar uma elevada proporção das verbas disponíveis à economia em detrimento da gestão da crise sanitária. É também necessário apurar se temos um número de camas de cuidados intensivos suficiente para enfrentar a próxima estação da Gripe. Sabemos que as cerca de 1500 a 2000 Camas de Cuidados Intensivos que dispomos são já escassas durante a estação gripal pelo que é necessário o seu reforço para evitar a todo o custo novos períodos de confinamento provocados pela incapacidade de resposta do nosso SNS.

Segundo, a crise económica dependerá do sucesso na gestão da crise sanitária e da nossa capacidade de sermos muito exigente e rigorosos na gestão das finanças públicas. Se é verdade que temos um dos endividamentos mais altos da Europa também é verdade que as lições aprendidas na última crise soberana podem ter deixado em Portugal um instinto coletivo de frugalidade nas finanças das famílias, das empresas e nas nossas finanças públicas que nos ajude a atravessar estes oceanos agitados preservando a Soberania Financeira do País.

Não sejamos como aqueles que têm tanto medo “que têm medo que o medo acabe(5) ” A ação cura o Medo. O regresso a uma nova normalidade dependerá muito da nossa ação individual e coletiva.


 (1) Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C.D. Antologia Poética. 12ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio. 1978. p. 108 e 109.

 (2) Ferretti, L.; Wymant. C.; Kendall, M.; Zhao, L., Nurtay, A.; Abeler-Dörner, L.; Parker, M.; Bonsall, D.; Fraser, C: “Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing”, Science, 31/3/2020

 (3) https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/economia-e-saude-publica-duas-realidades-que-nao-sao-inconciliaveis/

 (4) Fonte: Ministério das Finanças, Orçamento Suplementar, Plano de Estabilidade e UTAO.

 (5) Mia Couto em Conferências do Estoril 2015


Mobirise

“As novas famílias e a governance das empresas familiares”

Mobirise

Pedro Alvito

Pedro Alvito é Professor na área de Política de Empresa e Diretor do Programa Construir o Futuro nas Empresas Familiares da AESE Business School.

Gerir empresas familiares é gerir emoções e expetativas. Bem controladas e acompanhadas são geradoras de uma grande vantagem competitiva. Mal geridas podem gerar a destruição do negócio e da empresa. Emoção e razão são dois pratos da balança que importa sempre saber equilibrar. No caso das empresas familiares o “prato” da emoção é muitas vezes o prato principal. 

Historicamente é fácil estabelecer um padrão de questões que são comuns às empresas familiares. É vasta a bibliografia que se preocupa com questões de governance estabelecendo critérios, levantando questões familiares e oferecendo soluções.

No entanto, talvez a questão que mais tinta faz correr a literatura de gestão é o tema da sucessão. Preocupação permanente nestas empresas é um problema sempre vivido com extrema emoção por parte da família, de quem vai ser sucedido e de quem sucede.

Por razões fáceis de entender é um problema que afeta naturalmente todo o conjunto de entidades que convivem com a empresa e, nas empresas de grande dimensão, chega a ser assunto de jornais, debates e até de grandes questões mediáticas. Será que o futuro gestor está preparado? Que diferenças vão existir e que processos vão mudar?

Vem o paragrafo que encabeça este texto a propósito de uma nova situação que cada vez mais está a ser vivida pelas famílias e que tem naturalmente impacto nas empresas familiares. Atualmente o desafio parte de dentro. Casamentos desfeitos e novos casamentos, filhos de vários casamentos, uniões de facto, uniões de pessoas do mesmo género, casamentos entre pessoas de diferentes países são tudo acontecimentos que geram novos desafios para quem quer estabelecer regras, acordos, protocolos familiares ou mesmo simplesmente gerir uma empresa familiar sem que a mesma seja afetada por estas situações cada vez mais espalhadas pela nossa sociedade.

 É fácil perceber a preocupação cada vez maior dos fundadores das empresas familiares com estas questões, mas também dos sucessores dito naturais, que muitas vezes se vêm preteridos por meio irmãos ou mesmo “nada” irmãos.

Dizem alguns teóricos da desgraça que este poderá ser o fim das empresas familiares em termos de continuidade, que os conflitos estão para ficar e que a tendência é para crescerem e serem cada vez mais insanáveis. Mas será mesmo assim? O desmembramento da família tradicional tal como a conhecemos irá pôr um fim às empresas familiares?

Evidentemente que estes assuntos geram tensões que numa empresa familiar em que família e empresa não estão suficientemente e acauteladamente “separadas” em termos de propriedade e gestão são difíceis de ultrapassar. Mas será possível criar um distanciamento saudável entre as emoções e as tensões familiares e a gestão normal do negócio? Parece-me que sim e, o “tratamento” até pode ser simples. Faz-se com antecipação, capacidade de comunicação e profissionalização.

Em muitas situações nas empresas familiares o “remédio” está à mão de qualquer dono, mas é preciso (como nas doenças do corpo) tomá-lo todos os dias e ir até ao fim. Não me canso de referir que nas empresas familiares a maior parte dos problemas resolve-se por antecipação. O que quero dizer com isto? Quando um pai divide a sua herança antecipadamente pelos filhos, e o faz de uma forma equitativa e devidamente conversada nos seus diferentes estádios de pensamento e desenvolvimento com os envolvidos a solução será mais facilmente aceite do que após a morte do pai se não houver nenhuma indicação e for deixado ao acordo dos sucessores. Neste exemplo o importante é a antecipação e a correta comunicação. Mesmo que algum sucessor não concorde não lhe resta senão aceitar.

Com esta forma de gerir pode haver descontentamento, mas evitam-se conflitos futuros e situações de impasse que muitas vezes são as verdadeiras causas de desaparecimento de negócios e empresas familiares. É, pois, possível conversar antecipadamente sobre os assuntos referidos e tomar decisões com que todos se sintam bem porque as regras definidas foram claras e foram tomadas antecipadamente por todos. Isto implica obrigatoriamente diálogo, franco e verdadeiro, em que as várias posições são analisadas e discutidas. Não pode ser uma decisão nem autoritária nem simplesmente democrática. O fundamental é alcançar o maior consenso, senão mesmo o consenso total, nunca perdendo a noção de qual é a vontade do fundador, mas percebendo que o futuro já não pertencerá a ele.

Comunicar bem é uma arte e fazê-lo nas empresas familiares é crucial. Qualquer decisão deve ter presente esta verdade: gerir empresa e família exige saber gerir emoções e expetativas. Num mundo em que a única certeza que temos é que a mudança não pára devemos nós manter a capacidade de parar, ver, refletir e agir. Não nos podemos agarrar a certezas do passado nem simplesmente abraçar tudo o que nos aparece como certezas de um futuro que é sobretudo incerto. Exige-se reflexão, análise e aprofundamento do conhecimento. Exige-se quem olhe para mais longe que o simples amanhã e saiba ler no mundo de hoje os caminhos do futuro. Mais do que sermos simples gestores, as empresas familiares exigem-nos prudência, sentido de continuidade, capacidade de integrar vontades, mas sobretudo visão, génio e espírito de unidade.

O último “remédio” chama-se profissionalização. Talvez o remédio mais difícil de aplicar, mas talvez também seja aquele que garante melhores resultados. Uma profissionalização verdadeira afasta os interesses pessoais e impede a empresa de ser “assaltada” por problemas familiares que em último caso nunca a deveriam afetar. Ser dono e ser gestor exigem capacidades diferentes e não devemos ver a empresa como prolongamento da família.

Os assuntos são novos, mas o remédio é conhecido. Temos todos que nos preparar para o tratamento e assegurar que o mesmo é eficaz para a nossa realidade familiar e para a nossa empresa.


Strategy, Beyond the Hockey Stick

Mobirise

Adrián Caldart

Adrián Caldart é Presidente do Conselho Académico da AESE e Professor da AESE e do IESE Business Schools

Dentro do grande número de livros de Direção Estratégica publicados cada ano, julgo que Strategy, Beyond the Hockey Stick (Wiley, 2018) se destaca pela originalidade da sua abordagem. Os coautores Bradley, Hirt e Smit, partners da McKinsey & Co., chamam a atenção, a partir da sua extensa experiência conjunta, sobre como o pensamento estratégico dentro da empresa é habitualmente estragado por considerações ligadas aos preconceitos individuais e à dinámica social dentro das equipas diretivas. Esta situação favorece o desenvolvimento de soluçōes mediocres, de compromisso, frequentemente consistentes em alteraçōes cosméticas (e, por isso, confortáveis para todos) à estratégia atual e impedem o desenvolvimento de estratégias realmente vencedoras. Embora este problema (conhecido por qualquer diretivo com experiência em procesos estratégicos) foi tratado por autores da teoría da organização extensamente, estas abordagem caracterizaram-se demasiado frequentemente pelo foco na crítica aos abordagens mainstream da Direção Estratégica, mas sem propor soluçōes práticas à esta complexa questão. Os autores desenvolvem uma série de recomendaçōes, práticas e bem fundamentadas em análises sérios, para que os equipos de direção consigam ultrapassar estas limitaçōes para ir em procura dos “big moves” que realmente incrementam as probabilidades da empresa de atingir performances superiores.     

Mobirise


REINDUSTRIALIZAR PORTUGAL

Mobirise

André Vilares Morgado

Professor de Política Comercial e Marketing da AESE Business School.

Um imperativo maior do nosso país passa por recolocar a indústria no centro da nossa atividade económica. A indústria oferece grandes oportunidades para sairmos do impasse de crescimento em que nos encontramos, mas primeiro temos de ultrapassar cinco fatores que bloqueiam o seu desenvolvimento.

O debate da re-industrialização animou-se recentemente por via de duas iniciativas relevantes que tiveram lugar quase em simultâneo. A primeira foi o COTEC Innovation Summit 2020, que teve o mérito de juntar mais de 1500 participantes em torno da discussão do renascimento da industrialização como prioridade na recuperação da economia na era pós-covid. Neste encontro procurou-se antecipar o impacto das plataformas digitais, automação, materiais com ciclo de vida favorável e modelos de negócio circulares, na actividade industrial. 

A segunda iniciativa foi a difusão para consulta pública da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, um documento elaborado pelo Prof. António Costa Silva que procura enquadrar as prioridades que deverão nortear a ação governativa no contexto da recuperação dos efeitos adversos causados pela atual pandemia. Dos 10 eixos estratégicos apresentados neste documento convoco o quinto em que o seu autor advoga que a reindustrialização do país deve assentar em empresas digitalmente integradas, isto é, “que casam o mundo físico e digital”. Para concretizar esta visão, o autor propõe um programa de investimento direcionado para o apoio à transferência da investigação para o fabrico de produtos competitivos. É um tema que tem lugar recorrentemente no debate académico. Trata-se da transferência de tecnologia e refere-se ao processo de transmissão de resultados provenientes da investigação científica e tecnológica para as empresas. Como tal, é uma parte intrínseca do processo de inovação tecnológica, sendo o sistema universitário um dos seus atores relevantes. 

Ao contrário do que muitos advogam, acredito que Portugal tem vocação industrial. Esta valência da nossa economia está enraizada em vários projetos empresariais de referência, como foi o caso da CUF que chegou a ser o quarto maior conglomerado industrial da Europa. É certo que longe vão os tempos das “superestruturas”, unidades produtivas quase auto-suficientes. «O que o País não tem, a CUF cria» era o lema do maior império industrial português. Algo que, evidentemente, só foi possível num momento histórico em que a especialização preconizada por Adam Smith ainda não tinha chegado a estas paragens, a política de Condicionamento Industrial promovida por Salazar eliminava qualquer pressão concorrencial no mercado doméstico e a política cambial assegurava uma posição favorável das exportações na balança de transações com exterior. 

Mais tarde chegou a democracia, mas também a globalização e o Euro. Dois rudes golpes na nossa capacidade industrial. A moeda comum permitiu a integração das nossas empresas em cadeias longas. Passamos a competir com empresas localizadas em países cujos fatores de produção são mais baratos que os nossos. Neste contexto, as empresas industriais baseadas em mão de obra intensiva e não especializada, perdem vantagem competitiva para outras que estão localizadas em diversas partes do mundo, como a Ásia. Favorece-se a importação, em detrimento de consumir o que é nosso, dando espaço para o crescimento de grandes grupos retalhistas. Em paralelo, afirma-se a ideia de Portugal ser um país de serviços. Promove-se Portugal como destino turístico e a hotelaria passa a empregar muitos trabalhadores que auferem salários modestos, to say the least...

Desde então, várias empresas industriais são adquiridas por multinacionais estrangeiras. A Bosch compra a Vulcano, a Continental compra a Mabor, a Philip Morris compra a Tabaqueira e, mais recentemente, a InterCement compra a Cimpor (que mais tarde vende à Oayak). Pouco sobra dos muito discutidos centros de decisão nacionais. O olhar dos nossos governantes tinha-se virado para a captação de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) como resposta para o retomar da atividade industrial. A bem sucedida Autoeuropa, a joint venture criada no início dos anos noventa entre a Volkswagen e a Ford, apontava o caminho a seguir. A solução viria de fora e não de dentro. 

Contudo, a prossecução desta solução, o IDE, revela-se lenta no seu impacto e pouco ambiciosa na sua capacidade de extrair o real potencial industrial do nosso país. Penso que podemos fazer mais pela nossa indústria e penso também que não devemos ficar de braços cruzados à espera do Don Sebastião que nos virá resgatar da situação em que hoje vivemos. Devemos identificar os fatores que contribuem para o constrangimento do nosso potencial industrial e procurar eliminá-los na sua origem. 

O primeiro constrangimento a resolver é o do capital. Em Portugal vivemos hoje sob um sistema capitalista descapitalizado. Ou seja, os empresários não têm capital e, como tal, converteram-se em agentes de acumulação de endividamento. Esta é uma doença crónica que limita o crescimento das empresas e retira a sua liberdade para decidir sobre o futuro. O reforço dos capitais próprios das nossas empresas industriais passa pela afirmação de instrumentos já disponíveis, como seja o muito apregoado Banco de Fomento. Todavia, precisamos constatar o impacto positivo da sua ação no curto-prazo, isto é, junto das empresas industriais cuja carestia de capital tolhe a sua transformação e expansão. Caso contrário, não aproveitaremos dignamente a janela de oportunidade que se vai abrir com o relançar da economia pós-covid. 

O segundo constrangimento é a formação dos empresários e dirigentes. O estudo realizado em 2018 pelo Observatório das Desigualdades do ISCTE sobre "O mercado de trabalho em Portugal e nos países europeus" retrata um país em que os empresários têm, em média, menos qualificação escolar que os trabalhadores. Apesar de nos últimos anos termos assistido a um forte crescimento da qualificação universitária, alguns dos nossos empresários continuam a apresentar níveis de qualificação escolar muito modestos, o que limita a adoção de boas práticas de gestão, por um lado, e a integração de tecnologia sofisticada nos seus processos produtivos, por outro. Adicionalmente, investem pouco na formação (sua e dos seus quadros directivos) ao longo do percurso profissional. Uma exceção digna de menção pelo exemplo que nos deixou, foi o Eng. Belmiro de Azevedo que regressava anualmente aos “bancos da escola” para completar o seu aperfeiçoamento enquanto gestor. Deixou na Sonae uma cultura de aprendizagem e investimento no saber que ainda hoje contribui para fazer deste grupo empresarial um dos maiores e mais bem sucedidos do nosso país. 

O terceiro constrangimento prende-se com uma incapacidade natural de trabalharmos em conjunto e resolvermos os conflitos que daí emergem de forma sadia e expedita. Este traço cultural apresenta-se como uma hipótese que carece de prova empírica que a sustenha. Todavia, não é difícil reconhecermo-nos nesta descrição e, muito provavelmente, já a comentámos com amigos e colegas de trabalho. Na edição de 2019 do Global Competitiveness Report realizado pelo World Economic Forum, procurou-se caracterizar em que medida as empresas de um país colaboram na partilha de ideias e na inovação, tendo Portugal ocupado a posição 45 do ranking, logo atrás da Guiné Guiné-Conacri. Em Portugal temos dificuldade em trabalhar uns com os outros, associarmo-nos, juntar forças e criar sinergias. Preferimos competir do que cooperar. Neste contexto complexo em que vivemos não nos podemos dar ao luxo de pensar que somos uma ilha isolada. Vivemos fenómenos de interdependência a vários níveis e temos de aprender a lidar com a interferência dos outros no nosso métier. Orientação mútua e compromisso fornecem uma base sólida para a construção de relacionamentos de longo prazo. A confiança é, por si só, fonte de criação de valor empresarial. 

O quarto constrangimento é a criação de valor. Ou seja, temos de conseguir oferecer no mercado produtos com alto valor acrescentado. Para incrementar o valor nacional nas cadeias de produção globais é indispensável olhar para a economia circular, para a utilização de energias limpas e para a transformação digital, três elementos que hoje já se encontram ao nosso alcance. O fabrico de produtos que integrem mais complexidade e sofisticação deve estar no radar dos empresários, devendo para esse efeito apostar no design e recorrer a novos materiais e tecnologia. A Quarta Revolução Industrial impulsionará a produtividade numa escala sem precedentes. Algumas empresas Portuguesas já estão a dar passos firmes no sentido de adoptar tecnologias inovadoras, como a manufatura aditiva, os sensores inteligentes e a robotização avançada. Todavia, os empresários não vão poder deixar de olhar para outras tecnologias que hoje ainda são vistas como emergentes — como por exemplo nanotecnologia, realidade aumentada, machine learning e blockchain — mas que em breve terão uma palavra a dizer sobre o desenho dos processos produtivos e a geração de novos modelos de negócio. 

O quinto constrangimento é a captura de valor. É preciso aprender a vender. Aprender a vender bem implica saber como manter a integridade do preço. É necessário conseguir discutir valor e fugir à armadilha da discussão do preço. Este constrangimento pode ser ultrapassado por via da implementação de processos de marketing robustos. Dos cinco constrangimentos aqui elencados, este será o mais fácil de corrigir, dado o seu caráter técnico. Mas, importa lembrar que, em ambientes industriais, este é um desafio para a alta direção das empresas. Também neste ponto a formação de empresários e executivos poderá ter um impacto positivo na contribuição que a indústria pode dar para uma economia mais saudável. 

Em resumo, voltar a colocar a indústria no centro da nossa atividade económica oferece grandes oportunidades para sairmos do crescimento estagnado em que nos encontramos. E isso encontra-se ao alcance dos nossos empresários, dirigentes e governantes. Importa, então, não fugir deste desígnio e investir na reafirmação da indústria nacional.


A Liderança, o Talento e a Ética

Mobirise

Fátima Carioca

Fátima Carioca é Dean da AESE e Professora na área de Fator Humano na Organização.


“A crise brinda desafios, paixão de todo o líder”(1) . Estas sábias palavras do Prof. Raul Diniz da AESE Business School, atestam que tempos difíceis são propensos à emergência da Liderança, pois requerem visão e estratégia. Muito do que vivemos e de como vivemos durante a pandemia e a tempestade económica global marcará o que o mundo será amanhã.

No entretanto, encontramo-nos em plena evolução para um next normal, fruto da alteração radical dos negócios e dos comportamentos. É simplesmente a próxima, porque a evolução da normalidade é uma constante. Recorde-se, já neste século, o 11 de Setembro e os procedimentos de segurança que gerou e a crise financeira de 2008 e o ajustamento económico e social que implicou.

Hoje em dia, um bom exemplo é a epifania digital. A criticidade da continuidade dos serviços derrubou os muros que inibiam o avanço de soluções digitais tais como o teletrabalho. Tratava-se, essencialmente, de barreiras culturais (paradigma tradicional de gestão), barreiras tecnológicas (acesso não democratizado) e barreiras regulatórias (legislação inadequada). Nem tudo está resolvido, mas o mundo já mudou e não há retrocesso. O que virá a ser e como lá chegar é o desafio atual.

Em momentos como o presente de aumentada incerteza, complexidade e vulnerabilidade, o papel dos líderes empresarias é, na realidade, determinante, no sentido de dar e construir Futuro e traduz-se - back to basics - em (re)criar empresas sadias, competitivas e sustentáveis e, com elas, a economia e a sociedade e distinguir-se-á pela forma como lidarem com essas três características do contexto atual.

Liderar na incerteza

Num estudo do World Economic Forum publicado a 19 de maio(2) , dá-se conta que 68,6% dos executivos a nível mundial apontam o risco de uma recessão prolongada certamente, mas à qual é impossível atribuir uma estimativa temporal, como a maior preocupação, transversal a todos os setores económicos.

Nestas circunstâncias, Liderança significa ver, no meio do turbilhão de dificuldades e perante um horizonte incerto, novas oportunidades de atuar e de avançar. Não há que perder a esperança num mundo que, por natureza, é imperfeito. Não há que deixar o tempo resolver, sem dor, o que é necessário enfrentar. O desalento corrói a persistência e a resiliência, dá origem ao pessimismo e este à falta de energia, à indiferença e à derrota.

Um líder não se conforma, olha a realidade com otimismo e atua. Ajusta as velas de forma a aproveitar da melhor forma o vento que sopra. Não se instala no presente, mas projeta-se no futuro e impõe-se, a si mesmo, a tarefa da construção desse futuro de forma esperançada, confiadamente. A verdade é que acreditar que um futuro melhor é realizável foi e será sempre um forte motor que leva cada pessoa a confiar e empenhar-se, com todas as suas forças, em o conseguir, para si e para os outros.

A confiança, radicada na esperança, é assim um elemento fundamental da Liderança e do sucesso, seja no mundo empresarial, no todo nacional ou mesmo em termos globais! Podem, e devem juntar-se o empreendedorismo, a descoberta de oportunidades de negócio, a concretização de novos investimentos, a inovação como fonte de crescimento, desenvolvimento e enriquecimento das empresas e das sociedades, mas a confiança é a ponte que liga as expectativas às concretizações, os investimentos aos resultados. Neste sentido a confiança revela-se como a suspensão temporária da incerteza.

Liderar na complexidade

Se existe traço comum a todas as teorias sobre Liderança é a exigência de visão. Contudo, o momento atual requer, sobretudo, clarividência, que se concretiza num olhar diferente sobre a realidade e as potencialidades do futuro.

Em inúmeras ocasiões, Herb Kelleher, o icónico CEO da Southwest Airlines, disse “se a mudança é mais rápida no exterior do que no interior da empresa, temos de nos preocupar. O que está em causa é o futuro. Se não mudamos, não o (futuro) teremos”(3) . Sim, mas qual o rumo?

Espera-se do líder a capacidade de ver o que os olhos veem, mas também o que não se vê, ver de forma abrangente, ver de forma inteligente. E que a visão seja a alavanca para provocar na organização o pensamento crítico, a geração de ideias inovadoras, a cocriação de cenários, de forma aberta, transparente e partilhada, é condição indispensável para liderar em contextos em si mesmos complexos.

Partilhar os desafios e as soluções, com a humildade de quem sabe que os desafios são complexos demais para um único par de olhos e a disposição para escutar e acolher ideias é construir, coletivamente, a história da empresa.

Não dispensa também a formação, nomeadamente em Escolas de Negócio, entre pares. Esta, mais do que nunca, deve ter o seu lugar permanente na agenda do líder.

Liderar na vulnerabilidade

O tempo presente exigiu, e exigirá, sair fora da habitual zona de conforto e isso significa ficar mais vulnerável. Muitas organizações foram, e serão, forçadas a ajustar a sua maneira de trabalhar, repensar as prioridades e reavaliar a estratégia e os planos de curto e longo prazo.

Ora a confiança, antes referida, tem também uma outra dimensão - a relacional – que é tanto ou mais importante para o ultrapassar de momentos críticos e de maior vulnerabilidade das pessoas e da organização. Ao estar presente em todas as relações ativas da organização é o seu próprio pulsar. Gera um ambiente de estabilidade e segurança, que potencia emoções positivas e soluções criativas e inovadoras para os desafios, alicerces de qualquer organização de futuro. Com ela, a colaboração é mais espontânea, o espírito de equipa maior, a predisposição para assumir riscos mais natural, o compromisso mais profundo, o talento coletivo mais eficaz, a unidade e a coesão são potenciadas.

Se um líder, mesmo tendo todas as qualidades, não desperta confiança, seguramente lhe falta a alma da liderança. E neste período sem precedentes, necessitam-se líderes com alma grande e magnânima.

Lidar com a vulnerabilidade exige desde logo gerir as prioridades. No ecossistema da empresa, as grandes prioridades são cuidar atentamente de todas as pessoas do negócio e da sua operação, bem como assegurar a sua sustentabilidade financeira. São as prioridades de sempre, é verdade, e no auge da pandemia foram muito os exemplos, alguns heroicos, com que todos nos cruzámos, mas convém que se mantenham e perdurem como prioridades de sempre. A heroicidade passa também pela consistência na rotina dos dias.

Exige também liderar as pessoas e as equipas, confiando nelas, apoiando-as e sabendo que elas o apoiam. Trata-se de assumir um novo paradigma de gestão, com base na participação, que se traduz em desenvolver talento, dar autonomia e responsabilidade, potenciar a colaboração e a unidade.

A unidade é crucial. O sentido de pertença a uma comunidade, mesmo que permaneçam e trabalhem fisicamente distantes, é um forte protetor contra a fragilidade. É natural que, em muitas empresas, não se volte ao trabalho num único local físico, mas o distanciamento social não significa afastamento social. Pelo contrário, todos necessitamos da dimensão comunitária do trabalho. Faz parte da nossa humanidade e, ao líder, caberá ser guardião desta humanidade na empresa.

Desenvolver o Talento

O Talento e o Futuro do Trabalho são temas que têm vindo a ser exaustivamente estudados e acompanhados nos últimos anos, sendo que é consensual que todas as empresas procuram solucionadores de problemas com capacidade de adaptação, curiosos e abertos à aprendizagem, bons a colaborar, criativos, empreendedores e com atitude otimista. E sobre este tema a pandemia permitiu avanços e acarretou desafios.

Assim, o passado recente contribuiu para o desenvolvimento acelerado de algumas competências muito relevantes como a adesão digital e a capacidade de adaptação a um modo diferente de trabalhar e de operar. Muitas empresas e instituições foram obrigadas a recriar-se e acabaram por se surpreender com a grande adesão dos colaboradores e o talento que muitos revelaram, independentemente da idade ou formação. E essa é uma grande conquista: não só permitiu atenuar o efeito do confinamento (85% das empresas mantiveram-se em funcionamento, mesmo que parcial de acordo com dados publicados pelo INE em 11 de Maio de 2020 (4) como temos muito mais pessoas com competências acrescidas, de diferentes gerações, com formação muito diversificada (58% das empresas tinham pessoas em teletrabalho, sendo que 16% tinham mais de 75% do pessoal ao serviço efetivamente a trabalhar em teletrabalho). Neste sentido, em termos de Talento somos na atualidade um país mais bem preparado.

Agora, nesta nova etapa, há que não desperdiçar o sucesso da agilidade conseguida, a riqueza das competências adquiridas, o momentum criado. Implica que a própria organização se reinvente constituindo-se como facilitadora de um modo mais flexível, ágil e personalizado de funcionamento. Em concreto, é o momento de estabelecer políticas de acesso a bons instrumentos de trabalho (infraestruturas, sistemas), investir na formação de cada um dos seus colaboradores ao longo de toda a trajetória profissional, potenciar desafios profissionais que promovam o seu crescimento, flexibilizar tempo para outras âmbitos que permita, a cada um, a realização integral enquanto pessoa.

Ainda em termos de gestão do Talento, serão inúmeras as reorganizações internas, fruto do ajustamento operacional, que conduzirão à requalificação ou alteração de funções para muitos colaboradores. Mas os despedimentos serão também inevitáveis: a OIT, em finais de Abril(5)  , previu uma deterioração equivalente a perder 305 milhões de empregos a tempo completo, tendo por base uma semana de trabalho de 48 horas. Na realidade, a pandemia “revelou da maneira mais cruel a extraordinária a precariedade e as injustiças do nosso mundo de trabalho” nas palavras de Guy Ryder, director-geral da OIT(6) .

Nestes processos, Liderança significa sobretudo que as decisões se tomem tendo em consideração critérios de sustentabilidade do negócio e da empresa, mas também critérios de humanidade dada a responsabilidade ante os seus colaboradores e as suas famílias.

Nesse sentido, que hoje em dia é possível encontrar o Talento desejado em qualquer ponto do mundo, à distância de um clique. E é bom ter essa mentalidade global que permite reconhecer que o talento existe, esteja ele em Portugal, nos países emergentes ou onde for. E que, além disso, nem necessita de sair de onde vive já que tudo e todos estamos conectados. Claramente são muitas as vantagens desta abordagem e a próxima normalidade passará certamente por esta forma de trabalhar.

Contudo, é de sobremaneira importante, neste tempo, reconhecer o Talento interno, dar-lhe prioridade, contar com cada um e envolver todos na reinvenção do negócio e da empresa. Depois ainda, contar com todo o Talento disponível em Portugal e promover iniciativas de mobilidade entre empresas. Essa é porventura uma prioridade nacional.

A Ética

Por último, e pertencendo a uma Escola onde se enfatiza a componente ética da Liderança, é incontornável sublinhá-la. A ética dá sentido e legitimidade às escolhas, às decisões e à ação humana. Por isso, qualquer líder responsável sabe que há cenários que não se podem colocar, limites que não se devem ultrapassar, riscos que não vale a pena correr. Sabe também que existem critérios éticos que sempre devem iluminar qualquer que seja a decisão a tomar. Escolher, consistentemente, a medida justa, o critério correto, a decisão acertada é de uma profunda sabedoria verdadeiramente humana.

Concluindo, os desafios atuais aí estão. Fazem parte da vida. A questão é como responder-lhes, como ultrapassá-los e estabelecer empresas sustentáveis, uma economia competitiva e uma sociedade inclusiva.

Não haja dúvida de que a resposta está, em grande parte, na Liderança, porque com ela se cria o futuro e novas realidades. Liderança é abrir horizontes pessoais e corporativos. É conduzir para onde não se está: fazer algo que nunca se fez, criar algo que não existia.


(1)  Diniz R, (2015), Inspirando Líderes, AESE Business School, pág. 111

(2)  WEF, COVID-19 Risks Outlook: A Preliminary Mapping and its Implications Report, 2020

(3)  Citação por Gary Kelly, Chairman and CEO at Southwest Airlines, https://www.linkedin.com/pulse/20140312145746-321194218--if-you-don-t-change-you-die-lessons-from-my-former-boss/

(4)  INE, Acompanhamento do impacto social e económico da pandemia - 6.º reporte semanal, 2020

(5)  ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. 3rd Edition, 2020

(6)  https://nacoesunidas.org/artigo-um-novo-normal/


Para ler as restantes contribuições para a "Esperança e Reinvenção" pode comprar o livro aqui https://bit.ly/39jv0Ej

As receitas dos direitos de autor revertem, na sua totalidade, para a Rede de Emergência Alimentar, iniciativa promovida pelo Banco Alimentar contra a Fome.

Mobirise


Misbehaving – The Making of Behavioral Economics

Mobirise

Pedro Pimentel

Associate Dean da AESE Business School e Responsável Académico da Área de Finanças

Richard Thaler, o genial criador da Economia Comportamental, Prémio Nobel da Economia em 2017, é também um grande comunicador. Misbehaving – The Making of Behavioral Economics (Comportamento Inadequado – A Construção da Economia Comportamental, na tradução portuguesa) é um excelente exemplo dessas qualidades. O Autor, com uma prosa fluente (não há números!), uma visão muito prática dos problemas, e um finíssimo sentido de humor, desfia pequenas histórias e episódios pessoais para relatar essa epopeia que foi a construção da Economia Comportamental. Mais do que um novo ramo do saber, trata-se de uma abordagem aos problemas económicos que combina a modelos económicos e Psicologia (os psicólogos chama-lhe Psicologia Económica). O seu raio de acção abrange a Microeconomia, a Economia Financeira (Finanças) e até a Macroeconomia.

Talvez seja sensato ceder a palavra ao Autor, que assim descreve a sua obra. «For four decades, since my time as a graduate student, I have been preoccupied by these kinds of stories about the myriad ways in which people depart from the fictional creatures that populate economic models. It has never been my point to say that there is something wrong with people; we are all just human beings—homo sapiens. Rather, the problem is with the model being used by economists, a model that replaces homo sapiens with a fictional creature called homo economicus, which I like to call an Econ for short. Compared to this fictional world of Econs, Humans do a lot of misbehaving, and that means that economic models make a lot of bad predictions».


Mobirise


Back to Basics: O Modelo de Política de Empresa

Mobirise

Pedro B. Água

Professor de Política de Empresa na AESE Business School.

Quando não sabemos a história de algo, não lhe atribuímos o verdadeiro valor. E se desconhecemos o valor de algo, descartamo-lo ou vendemo-lo barato. Esta breve reflexão pretende fazer uma síntese do Modelo de Política de Empresa e apresentar a sua relevância para as Escolas de Alta Direcção.

O Modelo de Política de Empresa é indissociável das origens da AESE , fazendo parte do seu código genético. Como veremos de seguida, este modelo tem recebido uma elevada atenção de alguns académicos ao longo da sua existência, incluindo do nosso colega Luis Manuel Calleja, que infelizmente nos deixou recentemente. “Luisma”, como era conhecido pelos seus amigos mais chegados, costumava dizer que existem vários tipos de escolas, umas que se dedicam ao ensino da gestão e outras escolas que colocam o seu foco na alta direcção, ou seja, na formação dos dirigentes de empresas.

A AESE é uma escola de alta direcção. Se a AESE se enquadrasse no primeiro grupo e ensinasse apenas gestão e administração, estaria a reduzir-se a leccionar um conjunto de técnicas, mais ou menos úteis, mas seria mais uma escola entre muitas outras que aí têm o seu foco. Em consequência, pouco se diferenciaria das restantes escolas de negócios, que operam num ambiente muito competitivo em Portugal.

Gestores têm serventia em envolventes de estabilidade. Contudo, em envolventes VUCA (Volatile, Uncertain, Chaotic, Ambiguity) são necessários dirigentes, pessoas de iniciativa, com a capacidade de imaginar o futuro e dar-lhe um contorno real. António Valero e Luis Lucas (1) referem no seu livro Política de Empresa, que “o futuro não é uma questão de optimização, mas sim de iniciativa”. A Iniciativa é, pois, a característica mais importante do dirigente, aquela que lhe faz jus ao título.

Uma breve história do Modelo de Política de Empresa

Vivemos uma época em que os valores basilares, a ética e o Talant de Bien Faire não abundam, pelo menos tanto quanto seria desejável. Investir em conhecer o Modelo de Política de Empresa e trazê-lo para a “frente de batalha”, onde empresários e dirigentes travam hoje árduas lutas pela continuidade das suas organizações, é um imperativo de qualquer escola de negócios que procura trabalhar ao nível da alta direcção. O Modelo de Política de Empresa centra a sua atenção na função do dirigente e este é um traço distintivo da sua pertinência e da identidade das escolas de negócios que o adoptaram enquanto matriz nuclear do que ensinam.

É possível identificar duas grandes etapas geracionais da evolução deste modelo.

1ª etapa. O ensino de Business Policy em Harvard

Como muitas correntes de pensamento em gestão, a Harvard Business School esteve na sua origem, com a área de conhecimento designada no início do século XX como Business Policy. Embora dentro da Harvard Business School tenha tido várias etapas, é com Kenneth Andrews e Roland Christensen (2) que se estabeleceu um corpo de conhecimento ou marco conceptual com foco na função do director geral (CEO, na designação americana). Andrews, em especial, colocava uma grande enfase na missão da empresa. No seu pensamento, a função da empresa não se restringia a maximizar valor (para o accionista ou com foco no curto prazo) mas atribuiu-lhe um contorno mais nobre, dada a sua forte contribuição para o bem comum.

Na sua primeira elaboração, o Modelo de Política de Empresa continha três áreas de governo: o Negócio, a Estrutura Directiva e o Sistema de Incentivos (“convivência profissional” na terminologia de Valero e Lucas (1)).

O Negócio de uma empresa consiste em oferecer no mercado bens e serviços de forma contínua, obtendo uma remuneração em troca. É, pois, importante especificar e ter bem presente como se ganha dinheiro com a actividade da empresa.

A Estrutura Diretiva explicita os responsáveis que vão assumir a responsabilidade por concretizar tarefas concretas, que movem o negócio da empresa. Uma das tarefas chave dos dirigentes é conseguir que as pessoas trabalhem na realização do negócio, convivendo com critérios ou políticas profissionalmente saudáveis, isto é, a sua convivência profissional.

Mais tarde, já nos anos oitenta, a Harvard Business School substitui a disciplina Business Policy pelo ensino de Strategic Management, área conceptual que ganhou visibilidade pela mão de Michael Porter. Porém, tais abordagens mecanicistas podem não ter correspondido às expectativas criadas junto da alta direcção de muitas empresas. Modelos mecanicistas de gestão estratégica que geram forte apetência junto de gestores júniors e consultores.

2ª etapa. Os contributos de António Valero e José Luís Lucas

Na recente obra General Management in Latin and Ibero-American Organizations (3), os autores apresentam, não apenas uma detalhada descrição das várias etapas evolutivas do Modelo de Política de Empresa, mas também informação sobre as ‘manobras’ que levaram à desvalorização do referido modelo e sua substituição pela área de conhecimento denominada de Strategic Management.

Tendo leccionado na Harvard Business School durante os anos em que Kenneth Andrews foi responsável pela cadeira de Business Policy, António Valero, fundador do IESE, não só contactou de perto com o então modelo de Business Policy, como o adoptou e desenvolveu em Espanha, conjuntamente com José Luís Lucas, incluíndo uma quarta área de governo — a Configuração Institucional — com foco em três pilares fundamentais: a Iniciativa, o Dinheiro e o Poder. A sua versão corrente encontra-se ilustrada na figura seguinte, que retrata a empresa como um sistema aberto em inter-relação com a sua envolvente.


Mobirise

Figura 1– A abordagem holística do Modelo de Política de Empresa entende a empresa como um sistema aberto e interligado com a sua envolvente.

Actualmente, o Modelo de Política de Empresa conta com quatro áreas: o Negócio, a Estrutura Directiva, a Convivência Profissional e a Configuração Institucional; sendo a última mais critica que as restantes, dado que uma organização que tenha problema nas áreas de negócio, estrutura directiva ou convivência profissional, pode recuperar se tiver uma Configuração Institucional harmoniosa e sólida. Já o inverso não é possível, isto é, se uma organização apresentar um bom desempenho nas áreas de negócio, estrutura directiva e convivência profissional, mas estiver com problemas sérios ao nível da sua Configuração Institucional pode culminar, mais cedo ou mais tarde, no fracasso. Como nos lembra o professor Luis Manuel Calleja quando referia que se existem problemas sérios numa organização, tal deve-se essencialmente a problemas ao nível do Conselho de Administração. Uma empresa é também definida pelos sócios, conselheiros independentes e outras pessoas que colocam capital na empresa, bem como a estrutura de poderes daí resultante. Dinheiro, poder e iniciativa são as três dimensões críticas da Configuração Institucional e a cuja dinâmica há que prestar atenção.

Todas as áreas de saber da direcção de empresas são importantes: a contabilidade e finanças, o marketing e a área comercial, as operações e o factor humano. Mas é a área de Política de Empresa que as une todas de forma integrada e holística, como um sistema.

O Futuro do ensino de Política de Empresa

É comum ouvir-se que o Modelo de Política de Empresa é de difícil implementação prática, o que é especialmente verdade quando quem o tenta aplicar não tem um conhecimento profundo e holístico do mesmo. O Modelo de Política de Empresa é mais facilmente entendido por aqueles que têm pensamento sistémico. Como referia Jay Forrester (4), um sistema é um conjunto de partes que se interligam com um propósito. Não é de estranhar que António Valero tenha adoptado tal modelo para formar dirigentes desde a fundação do IESE, pois ele mesmo, engenheiro de formação, via as organizações como sistemas, algo que é evidenciado em frases como a seguinte da sua autoria (5):

“Si queremos dar una interpretación usual a la palabra «estructura» podemos decir que es la manera de estar dispuestos los elementos de un conjunto. Otro punto de vista al hablar de la estructura puede ser el de un sistema estable que forman varios elementos, coordinados o relacionados de determinada manera. (…) la estructura de la empresa como integrada por elementos heterogéneos, integración determinada por la necesidad de alcanzar unos objetivos.”

Organizações humanas (empresas ou outras) são, por natureza, sistemas complexos. Aproximações parciais e sem interligação ou a utilização de modelos simplistas ou mecanicistas, como os de strategic management, sem o permear da ética e o centrar na pessoa humana, não será uma abordagem de sistemas e muito menos humanista. Se se quiser entrar no tema de estratégia de forma profunda, quiçá fosse mais útil ler as obras de Sun Tzu, Miyamoto Musashi, Carl von Clausewitz ou Liddell Hart, ao invés da última management fad.

Ao longo de muitos anos, o professor Luis Calleja deu um contributo inegável para o ensino de Política de Empresa, quer na AESE, quer em muitas outras escolas que pertencem à rede do IESE. Encher os ‘sapatos’ que este Maestro deixa vazios é um desafio enorme. Para a AESE, o Modelo de Política de Empresa é um vector de diferenciação. Em conjunto com académicos de outras Escuelas Hermanas, a AESE continua a dedicar-se ao seu estudo e desenvolvimento, tendo por objetivo torna-lo mais prático na sua aplicação, algo que cremos estar mais próximos de alcançar. Investir no estudo do Modelo de Política de Empresa é também um imperativo imposto pelo contexto actual e uma necessidade para que o mundo das empresas de amanhã seja melhor que o de hoje.

(1). Valero, A., & Lucas, J. L. (1991). Política de empresa: El gobierno de la empresa de negocios. Pamplona: Eunsa.

(2). Christensen, C. R., Andrews, K.R., & Bower, J. L. (1978). Business Policy: Text and Cases. Illinois: R. D. Irwin Ed.

(3). Caldart. A.A., Ricart, J.E., & Carrera, A.A. (Eds.) (2020). General Management in Latin and Ibero-American Organizations: A Humanistic Perspective. Routledge. Oxon: UK.

(4). Forrester, J. W. (1968). Principles of Systems. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology Press.

(5). Valero, A. (2001). In memoriam de Antonio Valero y Vicente (1925-2001). Con motivo de la entrega de la Medalla de Oro de la Universidad de Navarra a título póstumo. Barcelona: IESE - Universidad de Navarra. (p.21).



A Ética como chave motora do Avanço da Tecnologia

Mobirise

Gonçalo Ventura

General Counsel and Ethics and Compliance Officer na Capgemini Portugal S.A.
Aluno do 18.º Executive MBA AESE

Ao deparar-me com o tema da “Ética e Tecnologia”, várias vezes me questiono se sabemos bem “para onde estamos a ir, e que mundo queremos criar?”. E pergunto isto não por um ato de aversão à tecnologia (que naturalmente reputo como muito útil, quando bem e legalmente usada), mas pelos perigos que a velocidade tecnológica acarretam para todos nós. É verdade que a tecnologia tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento de várias áreas. Assim, vejam-se, e meramente a titulo de exemplo, os avanços que a tecnologia tem permitido a nível da medicina; as modificações positivas que a mesma tem gerado a nível da adoção de métodos de fabrico e de produção mais sustentáveis; a sua força motora no combate a desigualdades sociais; a quebra de fonteiras e barreiras criadas pela distância que a mesma diariamente promove. Em suma, hoje não conseguimos imaginar o mundo sem tecnologia, sendo que a cada minuto é gerado um novo avanço, aplicativo ou inovação tecnológica que tem um impacto profundo no nosso quotidiano.

Mas se é verdade que a tecnologia tem gerado muitíssimos benefícios ao mundo, a realidade é que talvez nunca, como hoje, tenhamos sido também confrontados com os seus malefícios. Efetivamente, somos agora confrontados com a sua falta de limites! Vivemos num autentico “big brother”, em que todos somos monitorizados, analisados, escrutinados, as mais das vezes sem sequer termos noção disso. Os nossos dados são recolhidos, armazenados e trabalhados sem sequer para o efeito termos prestado, as mais das vezes, o nosso consentimento. Através de um simples click num computador podemos, sem saber, dar acesso a uma multiplicidade de dados sobre a nossa própria esfera privada. Sabemos à data que dados pessoais foram recolhidos (ilicitamente) através das redes sociais, para procurar influenciar eleições em alguns países. Sabemos que várias empresas recorrem à monitorização dos seus consumidores, para analisar e influenciar hábitos de consumo. Sabemos também que cada vez mais existem ataques cibernéticos cujo intuito é cometer crimes através da viciação e manipulação de dados, ou até daqueles que usam a tecnologia para a difusão de discursos de terror e até de ódio. 

Os temas acima têm sido crescentemente regulados, numa tentativa de se procurar combater a “promiscuidade” muitas vezes gerada pela corrida tecnológica. Assim, por exemplo, na Europa a entrada em vigor do RGPD impôs regras restritivas relativas à recolha e o uso de Dados Pessoais. Nos Estados Unidos, a entrada em vigor do “Privacy Shield”, impôs também medidas na mesma linha. Outros regulamentações na área da cibersegurança e cibercrime, e-monotoring, surveiliance, Big Data e comunicações eletrónicas, entre outros, têm também surgido quer a nível nacional, quer internacional, como forma de procurar regulamentar e evitar violações de direitos derivadas do avanço tecnológico. 

O surgimento destes diplomas legais tem ajudado a combater alguns abusos, designadamente com a imposição de coimas e outras sanções às pessoas e empresas prevaricadoras. No entanto, a realidade é que continuam a não eliminar os “atropelos” a valores e princípios éticos que deveriam estar subjacentes ao uso da tecnologia. A este propósito relembro-me de um ensinamento muito útil que colhi na Faculdade de Direito: “a Lei é contornável legalmente, razão pela qual para sabermos o que é ético e justo, nos deve guiar a consciência”. De facto, uma qualquer pessoa, ou empresa, pode cumprir todas as normas legais aplicáveis, e ainda assim incumprir padrões éticos, normas de conduta, corrompendo valores morais que apregoa e (alegadamente) dissemina. A ganância de ser o primeiro e o mais inovador na guerra tecnológica, convida a infrações de valores, de princípios, de normativos éticos. Nunca como hoje foi tão fácil incumprir, esquecer e limitar implicações morais subjacentes ao uso da tecnologia. A este propósito, e sem entrar em exemplos concretos que implicariam juízos de valor, lembremo-nos de organizações que, em função de negócios que vão surgindo derivadas do avanço tecnológico, se esquecem da sua identidade, dos valores e princípios que lhes deram origem, e do seu próprio “espirito de missão”.  

Nunca o líder, gestor e trabalhador, tiveram em si de forma tão flagrante a missão básica de repensar o que se pretende, para que se pretende, e qual o objeto último a que se quer chegar. Antes de avançarmos com tecnologia, temos em cada um de nós o dever de nos informar, de nos formarmos, de mapear e avaliar os prós e os contras de cada avanço tecnológico concreto, e sempre, e em qualquer circunstância, um dever cívico de pensar na legitimidade e legalidade dos objetivos a atingir, bem como dos meios utilizados para os alcançar.  

A Ética, enquanto “ato de fazer o bem porque é bom”, tem na tecnologia o seu melhor amigo, ou o seu pior e mais temido inimigo. Compete ao Homem, ao líder, ao gestor, decidir como quer que a sua organização atue nesta linha, nunca esquecendo que cada um deve (pessoalmente) começar por si, e com a sua ação ser um agente inspirador de outros.  

Desenvolvimento tecnológico naturalmente que sim, mas tão só e na medida em que acompanhado da Ética que o legitime. 



Política, Ciência e Consciência

Mobirise

Pedro Ferro

Pedro Rosa Ferro é Professor na área de Política de Empresa e Diretor do PADE da AESE Business School.

Este livro colige uma série de ensaios em que procurei discutir, de modo impressionista, alguns problemas do nosso mundo e algumas tendências do pensamento político contemporâneo. Trata de temas como “O Inverno do Ocidente cristão?”, “A política depois da verdade”, “Impressões sobre o desafio chinês” ou “Empresas de rosto humano e moralismo político-empresarial”. E corresponde a uma visão pessoal que, obviamente, não representa ou vincula a AESE. Neste texto, limitar-me-ei aflorar alguns dos tópicos que desenvolvo no livro. 


O fim da história?

Há cerca de trinta anos, face ao colapso das alternativas, Francis Fukuyama julgou vislumbrar o “fim da história”: «o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como a forma final do governo humano»(1). Fukuyama admitia a subsistência de conflitos internacionais e de tensões religiosas e nacionalistas, mas descartou-as como não tendo suficiente entidade para constituírem contradições não superáveis no interior dos princípios do liberalismo democrático. Pode dizer-se, contudo, que a história não se rendeu e continuou a oferecer ao mundo novas contradições, cada vez menos digeríveis. O rol tem sido repetido ad nauseam: o 11 de Setembro, o terrorismo, a crise financeira e respectivas privações, desigualdade crescente, migração descontrolada, populismos e nacionalismos à solta, etc. Modelos e esquemas autoritários e iliberais – como o da China ou Rússia, mas não só – granjearam uma certa respeitabilidade. No seio dos regimes demoliberais, apareceram personagens extravagantes como Donald Trump ou Boris Johnson. Perora-se sobre “fracasso do liberalismo”, a “crise do conservadorismo”, ou o cinismo que está a socavar a democracia. Em qualquer caso, é difícil ignorar a frustração, irritação e ansiedade – espiritual, moral, intelectual, política e social –, muito generalizada, que permeia o nosso mundo ocidental. 

É óbvio que estaremos sempre insatisfeitos e inquietos, e que haverá sempre razões de queixa. Algumas vezes, os problemas resultam da resolução bem sucedida de problemas anteriores e são corrigíveis, mais ou menos, pela oscilação pendular de movimentos, ideias e acções políticas, demasiado para a esquerda ou para a direita. Outras vezes, como agora, parece que os problemas se agravam em ciclo vicioso. Em qualquer caso, as causas dos nossos actuais descontentamentos serão múltiplas e complexas e não possuo nenhuma chave para as descodificar. Todavia, julgo poder afirmar-se – sem surpresa ou originalidade – que, ao seu nível mais geológico, no fundo da “crise do liberalismo” contemporâneo habita uma antropologia enfermiça. Com efeito, na base de qualquer visão e prática políticas está sempre uma ideia ou teoria sobre a pessoa humana: sobre a sua dignidade, razão e liberdade e, de algum modo, sobre os seus fins e o seu bem, que são o alicerce último dos seus direitos e dos seus deveres. Dessas questões primeiras dependem todas as outras. Como procurei argumentar ao longo do livro, o Estado de Direito exige uma certa ideia sobre a natureza da sociedade e, portanto, sobre o que naturalmente faz com que os seres humanos sejam animais sociais e políticos (e, por conseguinte, sobre a natureza humana), e sobre o que constitui uma ordem política justa. Essa ideia – tal como foi plasmada pela tradição clássica e judaico-cristã – não pode ser excluída da razão pública, quando sustentada por argumentos politicamente relevantes. Mas também não pode, obviamente, ser imposta politicamente.

«History began when humans invented gods, and will end when humans become gods»  

Nos nossos dias, a supressão ou “superação” do humano tornou-se respeitável e até popular. Um desenvolvimento recente desse anti-humanismo pode encontrar-se nos escritos de Yuval Noah Harari – tornado a coqueluche do pensamento secular progressista, na sua versão negra (e pós-moderna), a par talvez de Steven Pinker, representante da versão panglossiana (e moderna). Para Harari, o homem é um exterminador implacável, cujo traço distintivo é a habilidade para inventar ficções colectivas e «transmitir informação sobre coisas que não existem»(2), tal como Deus, bem e mal, cultura e natureza, felicidade, nação ou empresa… O ser humano seria um mero sistema de algoritmos instanciados em processos físico-químicos, carente de livre arbítrio, cujo comportamento seria completamente determinado pelas nossas hormonas, genes e sinapses, em termos materialistas e cientifistas crassos. Consequentemente, o humanismo liberal – feito de «coisas que não existem» como liberdade, igualdade, justiça e direito – seria outra ilusão, resíduo das “crenças monoteístas”, incompatível com a visão científica da vida e do mundo. E, no futuro, numa lógica transhumanista, Harari prevê que a evolução do ser humano dará lugar a um ser pós-humano, um bio-engenhado cyborg, imortal e divino – homo deus – tão diferente de nós quanto nós o somos de outras espécies. 

Do fundo do seu reducionismo antropológico e da sua animadversão contra a Fé bíblica, Harari não se engana quando associa o humanismo liberal às “crenças monoteístas” e à secularização de concepções religiosas. Mas engana-se quando utiliza o velho argumento de que essas ideias são meras fantasias inventadas pelo homem, porque sem elas a vida humana seria socialmente disfuncional, e psicológica e existencialmente insuportável. Ora essa insuportabilidade e disfuncionalidade não provam, evidentemente, que essas convicções sejam mitológicas. Mais razoável será supor o inverso: a vida sem Deus, vazia de sentido, sem dignidade, liberdade ou moralidade conscientes é realmente insuportável e disfuncional precisamente porque Deus, liberdade e moralidade são bem reais. Contudo, o anti-humanismo de Harari tem a virtude de colocar em evidência as alternativas radicais à visão bíblica do ser humano como filho e imago Dei: ou o animalis homo – a redução a um biologismo animal, produto do acaso e da irracionalidade; ou o homo deus – a presunção de que o homem se cria a si próprio e se salva a si próprio (pela ciência ou pela política), ou que não precisa de ser salvo, passando a ser matéria-prima e produto de si mesmo. Neste último caso, o homem – pretendendo ser «como os deuses» (Gn 3, 5) – passa à condição de Prometeu-Frankenstein, fazedor de monstros, e, ao mesmo tempo, de coisa e objecto disponível para todas as experiências e instrumentalizações da reengenharia (des)humana. Em qualquer destes casos, os resultados não serão muito diferentes: o homem – profanado, disforme, destituído do seu fundamento sacral – deixaria de ter razões para ter respeito quer por si próprio quer pelos outros, e para preferir a civilização à barbárie. Aliás, se o homem não tivesse natureza e fosse pura liberdade e radical autonomia, ele não teria nenhuma referência para decidir por si próprio o que é e o que deve ser. Sem natureza, sem humanidade, não teria direcção, padrão ou critério para as suas escolhas. A sua liberdade sem sentido cairia no nada, no vazio. Essa liberdade desalmada e desencarnada aniquilaria a própria ideia (e o exercício) de liberdade. E, do ponto de vista político, é bastante óbvio que a negação da natureza humana abre o caminho para a tirania total; e que se não houvesse natureza humana, também não haveria dignidade humana, nem direitos humanos, nem deveres humanos…, e que a democracia liberal perderia simultaneamente o chão e o céu. 


E depois da Covid-19?

Entretanto, já depois do livro ter ido para a gráfica, o planeta foi infectado pelo vírus do coronavírus, simultaneamente pandemia e pandemónio (como tem sido repetido). Muito se tem escrito sobre as consequências políticas, sociais, económicas e psicológicas da Covid-19. Para terminar, gostaria de referir apenas uma delas: o risco da expansão do Estado – que agora parece inevitável, como costuma suceder em períodos de crise – para níveis intrusivos. Não é só a intervenção e injecção de recursos na economia. Em nome do bem comum, os Estados suprimiram ou condicionaram as liberdades de circulação, de reunião, de culto, de ensino, de comércio, etc. Vários países montaram esquemas digitais de vigilância massiva para controlar movimentos, conexões e transacções, e foram louvados por isso. Dir-se-á que isto corresponde a uma situação temporária, de emergência. Mas a experiência sugere que os maus hábitos são difíceis de desarreigar…. Thomas Hobbes, no Leviathan, obrigou-nos a pensar sobre quanta liberdade estamos dispostos a abdicar em troca da segurança e protecção de um Estado. Pelos vistos, de quase toda...(3)  Mas não podemos deixar de nos interrogar sobre quão longe e fundo deverá o Estado ser autorizado a ir, para que não venhamos a ser confinados (como dizia ainda Tocqueville) «a nada mais do que um rebanho de animais tímidos e industriosos, de que o governo é o pastor»  

Entretanto, devemos procurar tirar partido do que aprendemos com a Covid-19 de modo que a “nova normalidade” seja um pouco melhor do que a anterior (coisa que não está garantida). Mas isso fica para outra ocasião. 


(1). Cf. Francis Fukuyama, “The End of History?”, The National Interest (16), 1989, pp. 13-18.

(2).  Cf. Yuval Noah Harari, Sapiens: A Brief History of Humankind, Harper, 2015, p. 24.

(3).  Cf. Niguel Warburton, “(Hospital) trolley problems. Some philosophical responses to the coronavirus”, TLS, May 15, 2020, p. 7.



Focados e Unidos

Mobirise

Tiago Galvão Pereira

Presidente da Comissão Executiva | Chief Executive Officer
Alliance Healthcare Portugal
Alumnus 15º Executive MBA AESE

Em maio de 2015 tive a sorte de ser convidado para o maior desafio da minha vida - liderar a unidade de Marketing e Vendas da maior empresa de Distribuição Farmacêutica a operar em Portugal, a Alliance Healthcare. No final desse mês de maio nasceu a Maria, a minha 3ª filha. E, em setembro desse ano, integrei o XV EMBA da AESE Business School.

Posteriormente, em março de 2017, quase a terminar o EMBA, assumi o cargo de Diretor Geral da Alliance Healthcare. Ao chegar ao final do ano de 2017 pensei que seria difícil viver anos mais complexos do que os últimos dois. Pura ilusão!

Após estes dois anos de intensa experiência, académica e empresarial, decidi, em conjunto com a minha equipa de gestão, por várias razões – umas mais óbvias do que outras – avançar com o maior desafio de sempre das nossas carreiras – substituir transversalmente os sistemas de informação da empresa.

Hoje, após milhares de horas de trabalho de enorme abrangência, desde a componente estratégia/negócio até aos mais pequenos pormenores relacionados com processos, chegámos à fase de preparar o roll out. Este projeto tem o nome Centennial e não queremos que seja apenas uma mudança do nosso obsoleto ERP. Esperamos motivar e envolver as nossas equipas a quererem fazer mais e melhor.

Grande parte do investimento que estamos a fazer em desenvolvimento tecnológico recai nas áreas de análise preditiva, algoritmia e inteligência artificial, não só para evitar ruturas na cadeia de abastecimento, mas também para otimização de recursos, apoio à tomada de decisão e, claro, apoio aos clientes com análises e previsões de consumo.

Queremos ser um stakeholder incontornável para a Indústria Farmacêutica e para as Farmácias porque acreditamos que podemos ser decisivos em melhorar continuamente a experiência do consumidor final.

A rapidez, conveniência, informação fidedigna e transparente serão as palavras de ordem. O desafio será cumprir com esta “nova” ordem numa área onde a qualidade, certificação, regulação e eficiência operacional não podem, nem devem, ser descuradas. Aliás, torna-se cada vez mais importante gerar confiança nas pessoas utilizando mecanismos que as protejam.

Toda a empresa está sob pressão para não falhar com os entregáveis do dia a dia e, em simultâneo, cumprir com timings e qualidade de execução do projeto Centennial. E nunca imaginou que essa pressão poderia agravar-se. Até março deste ano.

Nunca se está preparado para um momento como aquele que estamos a viver com a COVID-19 em que a falta de informação e as terríveis incertezas nos levam a misturar planeamento e organização com instinto.

O que é muito importante hoje torna-se quase ridículo amanhã. A segurança das nossas pessoas e o investimento associado à sua proteção, não podem, em nenhuma circunstância, ser ultrapassados pela vontade de cumprir resultados financeiros.

A lição é relativizar o que causa stress tóxico e trabalhar com equipas excecionais que em qualquer cenário se adaptam porque são competentes, sérias e humanas. E grande parte dessa lição aprendi no XV EMBA da AESE.

Felizmente, hoje, a trabalhar com Planos de Contingência e de Continuidade, estamos (ainda) mais focados e unidos em cumprir a nossa missão e em executar a nossa visão.



A acelaração da transformação digital e a nova realidade

  A pandemia tem acelerado a transformação digital que já estava em curso em muitas empresas. Agora que somos forçados a novas soluções, vemos que é possível desenvolver novas oportunidades e até acelerar o surgimento de novos modelos de negócio. Os Prof. Javier Zamora e Joan Enric Ricart do IESE abordam este tema neste webinar e trocam impressōes baseadas na experiência de empresas pioneiras, com base nos dados surgidos de um recente inquérito. 


Mobirise

Fará sentido participar em tantos grupos no WhatsApp?

Mobirise

Pedro Afonso

Psiquiatra e Professor de Fator Humano na Organização da AESE Business School.

Fará sentido participar em tantos grupos no WhatsApp?

O WhatsApp, criado em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, entretanto vendido em 2014 ao Facebook, é usado diariamente por milhões de pessoas em todo o mundo para fazer videochamadas, enviar mensagens, fotografias, vídeos, etc., revelando-se por isso uma aplicação muito útil. Durante o confinamento ajudou a mitigar o isolamento social, trazendo um enorme benefício e impacto nas relações humanas. Contudo, se é verdade que existe um lado bom e positivo, também é verdade que poderá existir um lado sombrio e potencialmente negativo na utilização desta aplicação. 

Nos últimos tempos assistiu-se a uma proliferação de grupos no WhatsApp. Para além dos grupos de família e de amigos próximos, criaram-se todo o tipo de grupos: grupo dos antigos alunos da escola secundaria ou da faculdade, grupo do futebol ao sábado, grupo da pesca aos domingos, grupo do ginásio, etc. As empresas converteram-se à moda e a política não ficou indiferente ao fenómeno, criaram-se na aplicação grupos e grupinhos para tudo e sob todos os pretextos. Para um cidadão normal, sem fazer grande esforço, é provável estar envolvido em vários grupos de WhatsApp, recebendo largas centenas de mensagens por dia. 

Não estaremos a perder demasiado tempo com mensagens fúteis e a desvalorizar o contacto social presencial? Observa-se cada vez mais pessoas adictas desta enorme bolha social que comunicam incessantemente sem se encontrarem frente a frente. Nunca como agora as pessoas tiveram tantas possibilidades de comunicar entre si, mas apesar disso nunca houve tanta gente a queixar-se de sentimentos de solidão e isolamento.

Além disso, existem outros aspetos negativos. A utilização exagerada das redes sociais, e as notificações sucessivas de mensagens, podem causar nalgumas pessoas uma autêntica perturbação de adição (por exemplo, ativando no cérebro sistemas de recompensa semelhantes aos ativados por drogas de abuso), provocando ansiedade e a necessidade de estar constantemente a visualizar as novas mensagens.

Julgo que, na maioria dos casos, o conteúdo das mensagens partilhadas nestes grupos não é importante, nem tão-pouco tem grande valor. Uma parte significativa desta comunicação é lixo, e preferíamos não ter perdido tanto tempo a ler todas aquelas mensagens, numa busca labiríntica para identificar o que é relevante.

O desconforto torna-se crescente, mas a falta de coragem para abandonar alguns grupos de WhatsApp leva a que se mantenha uma atitude passiva; talvez por vergonha ou receio de ser mal interpretado. Apesar disso, o lixo comunicativo vai aumentando e aos poucos estamos a transformar-nos em «recolectores compulsivos de lixo eletrónico». Resistimos apagar as mensagens mais antigas em grupos inativos, e o lixo vai-se acumulando. O aumento constante da capacidade de memória dos telemóveis acaba por ir escondendo esta lixeira comunicativa que não para de crescer.

Para além da dimensão «ecológica», existe um lado potencialmente perigoso na utilização desta forma de comunicação. As mensagens escritas nas redes sociais são muitas vezes mal interpretadas. Facilmente se entra numa escalada de agressividade verbal, gerando discussões, zangas, e criando um enorme ressentimento entre as pessoas envolvidas. Acredito que muitas destas discórdias teriam sido evitadas se a conversa tivesse ocorrido de forma presencial. Por este motivo, a comunicação eletrónica não é apenas mais pobre, como carrega um enorme risco de poder desencadear nas outras pessoas interpretações erradas sobre aquilo que escrevemos e reações indesejáveis. Importa compreender as limitações deste tipo de comunicação, evitando abordar determinados assuntos, já que podem surgir conflitos desnecessários e mal-entendidos que magoam as pessoas.

É preciso aprendermos a dizer «não» nas redes sociais, rejeitando aceitar automaticamente todos os convites que nos surgem para participar em grupos de WhatsApp. O principal objetivo das empresas detentoras de redes sociais é manter-nos a todos sob uma «hipnose controlada», desprezando aquilo que as pessoas perdem por não estarem a viver no mundo real. Temos de preservar a nossa saúde mental, resistindo a esta época viciosa em que vivemos, com liberdade e responsabilidade. Há que garantir um equilíbrio, evitando que a nossa vida social migre excessivamente para este mundo virtual que é enganador, muito mais pobre, e desumano.

Artigo publicado no Observador https://observador.pt/opiniao/fara-sentido-participar-em-tantos-grupos-no-whatsapp/ 



“No domínio digital, o que parece, nem sempre é”

Mobirise

António Gameiro Marques    

Diretor-Geral do Gabinete Nacional de Segurança, República Portuguesa
Alumnus do 39º PADE

“We're not just fighting an epidemic; we’re fighting an infodemic”
Dr. Tedros Ghebreyesus, Diretor-Geral da OMS, 15 de Fevereiro de 2020 

Evocando uma parábola do Novo Testamento, será que estamos a falar de vinho novo em odres velhos? Ou teremos mesmo de colocar o vinho novo em odres novos para que estes não se rompam, como sugere a parábola Bíblica? Por outras palavras, será que a esta nova ordem em que vivemos, caracterizada predominantemente pelo digital, pelo muitas vezes falso que parece tão verdadeiro, deverá continuar a corresponder o nosso habitual comportamento, muitas vezes ingénuo e benigno, ou deveremos repensar e agir de forma diferente quanto à forma como coabitamos, diria mesmo como incorporamos o digital na nossa vida?

O famoso general chinês Sun Tzu, autor da obra “A Arte da Guerra” antecipou, de forma brilhante, 2500 anos antes da criação da Internet, que “Se você conhece o inimigo e se conhece a si mesmo, não precisa recear o resultado de cem batalhas. Se você se conhece a si mesmo, mas não conhece o inimigo, por cada vitória obtida, também sofrerá uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, sucumbirá em todas as batalhas.” Neste enquadramento, em qual das situações descritas por Sun Tzu é que nos encontramos no contexto do ciberespaço? Será que temos um efetivo conhecimento dos nossos comportamentos face a este novo domínio e das respetivas consequências na forma como o utilizamos e interagimos, quer no dia a dia quer mesmo em conflito ou guerra? E quanto ao inimigo? Quem é ele, de facto, neste novo domínio? Tem rosto? Sabe-se quem é, ou é ubíquo e indeterminado?

Vivemos num mundo conectado física e virtualmente de que a maioria da população mundial faz parte e depende, e onde a respetiva matéria-prima são os dados e a informação, que se deve transformar em conhecimento acionável, que, uma vez partilhado, enriquece a comunidade de interesse, podendo mesmo dar origem a sabedoria.

É nesta cadeia de valor que uma interferência maléfica poderá produzir uma perceção da realidade premeditadamente falsa, levando, desta maneira, a tomadas de decisão que desencadearão efeitos indesejáveis, incluindo os que potencialmente afetam as democracias e assim os direitos fundamentais dos cidadãos.

Relevo que este assunto, na sua essência, não é novo. Antes da existência da Internet, já se usavam métodos semelhantes, denominados de “operações de informação e psicológicas” (PSYOS e INFOOPS), e sobre a qual existe uma sólida base doutrinária. A diferença para os dias de hoje reside no facto de que vivemos num mundo em rede, em que tudo está cada vez mais ligado, fazendo com que o alcance, a abrangência e a velocidade com a que a informação se propaga seja infinitamente maior do que outrora, produzindo, assim, efeitos mais amplos, rápidos e mais complexos.

Acrescem, ainda, que vivemos num mundo em que somos permanentemente inundados de informação, que nos sufoca e que nos torna ineficientes, técnica e informacionalmente falando. Estamos reiteradamente afogados em informação, mas famintos de conhecimento, o que nos leva, com a rapidez dos tempos em que vivemos, a efetuar um consumo superficial de informação, relegando para segundo plano (ou mesmo para nunca), a leitura atenta e profunda, a criação de conhecimento e o debate construtivo de ideias, que afinal são a base do nosso modelo de sociedade.

É que, para muitos de nós, o digital produz ainda um efeito de deslumbramento, cegando-nos relativamente aos perigos que pode conter para a promoção de uma saudável vida em sociedade, levando a que deixemos de nos conhecer efetivamente quando usamos o digital para passarmos a ser cada vez mais seres ficticiamente sociais.

A revista Times de 29 de janeiro de 2019 contém um excelente e ao mesmo tempo impressionante artigo assinado por Roger Mcnamee, investidor de várias empresas sedeadas em Silicon Valley e que acompanhou de perto o crescimento da empresa Facebook (FB). Neste artigo, Mcnamee revela uma grande preocupação com o que se tem passado nos últimos tempos com a direção daquela empresa. De facto, ainda que o propósito do seu criador tenha sido benigno (colocar em contacto pessoas, independentemente da distância física que as separa, permitindo a troca de experiências e de informação), o seu modelo de negócio está assente na publicidade, e na capacidade de influenciar a atenção dos utilizadores, de modo a levá-los a ver cada vez mais anúncios. Com efeito, os sociólogos e os especialistas em marketing sabem que uma das melhores maneiras de persuadir as pessoas é através do apelo às suas emoções, para assim incrementar o comprometimento e a ligação da pessoa ao evento que lhe causa essa emoção, como por exemplo o medo, a indignação, a alegria ou a revolta. Neste enquadramento, o FB constrói o perfil da pessoa, passando a conhecê-la muito melhor do que muitas vezes ela própria se conhece, fornecendo-lhe depois informação da forma que ela mais prefere. Tal significa que o que cada um recebe no seu portal se transforma numa realidade única, numa bolha filtrada da verdade, que cria a ilusão de que a sua comunidade de “amigos” acredita nas mesmas coisas e tem as mesmas opiniões sobre um determinado assunto. Este mecanismo serve o modelo de negócio do FB. No entanto, trabalhos de investigação levados a cabo por especialistas em comportamento humano, estão a chegar à conclusão de que este processo aumenta a polarização e o extremismo, decrementa a vontade e a oportunidade de debate profícuo de ideias, inibe a cultura do contraditório, que são algumas das características fundamentais nas quais se alicerçam as democracias.

As pessoas passaram a ser apenas métricas e gigantescas quantidades de dados (Big Data), que viabilizam o aprofundar do conhecimento que se possui sobre os seres humanos e sobre as sociedades em que vivem, aumentando, desta forma, ainda mais a eficácia com que se influencia o respetivo pensamento. Cientes deste efeito, entidades a operar em prol de interesses globais, perceberam o potencial amplificador desta tecnologia para a usarem de forma perniciosa, tirando partido disso através da injeção de notícias falsas que levam a que pessoas mal informadas, que vivem no conforto da bolha em que todos estão de acordo, a acreditar naquilo que todos os envolvidos pretendem; o problema é que são mentiras premeditadas e bem arquitetadas, que são enviadas cirurgicamente para os alvos que são, afinal, os utilizadores da rede social.

O que é um facto é que os sistemas que as grandes empresas tecnológicas criaram, associados à colossal massa de dados que coligem, estão a mudar-nos mais rapidamente do que eles ou nós conseguimos compreender. A escala da mudança é tão vasta e sistémica que nós, simples seres humanos, nem conseguimos abarcar essa mudança, provavelmente devido ao modo como o uso incessante de tecnologia afetou a nossa capacidade de prestar atenção a algo muito maior do que 140 ou 280 caracteres. O presidente da Apple, Tim Cook, durante o seu discurso na Conferência Internacional dos Comissários para a Proteção de Dados e Privacidade em Bruxelas nos finais de 2018 disse que “Levado ao extremo, este processo cria um perfil digital duradouro e permite às companhias conhecer-nos melhor do que nós próprios nos conhecemos. O nosso perfil é um punhado de algoritmos que servem conteúdo cada vez mais extremo, transformando em dano as nossas preferências inofensivas”. Tim Cook tomou da decisão de exigir aos autores das aplicações da APP Store da Apple que deixem de utilizar os sistemas que registam a atividade dos utilizadores do IPhone, apenas permitindo a inclusão na loja online, das APP que comprovadamente demonstrem que não o fazem. Um bom exercício de autorregulação!

Como deveremos, então, procurar responder a esta situação?

No seu livro “Technolgy versus Humanity – the coming clash between man and machine”, de 2016, Gerd Leonhard escreve algo que resume o que me parece dever orientar a nossa ação: Just because we can, it doesn‘t mean we should.

Por outras palavras, para que uma tecnologia veja a luz do dia, tem que ter um propósito centrado no ser humano e não apenas na tecnologia propriamente dita. Não me parece que devamos automatizar só porque é possível tecnicamente fazê-lo, sem olhar ao impacto que tal automatização terá na vida das pessoas. Diria mesmo que, antes de deixar o laboratório e ser transformada em produto, qualquer tecnologia deveria responder ab initio e de forma inequívoca às seguintes perguntas: em que é que beneficia o ser humano, em que é que incrementa a sua qualidade de vida e a sua prosperidade. Como é que pode ser explorada para retirar a dignidade à pessoa? Se as respostas a estas perguntas não forem satisfatórias, não deverá deixar a fase laboratorial. Estas são questões fundamentais. É o problema da falta de sentido da modernidade referido por Max Weber.

O problema fulcral é que a tecnologia não conhece a Ética, mas a sociedade que hoje temos e que teremos no futuro é altamente dependente da tecnologia. Para mitigar o seu uso em prejuízo da humanidade, e à semelhança do que já existe para as ciências da vida, vários autores apelam a que seja desenvolvido um código internacional de ética digital, e um quadro de regulação e de governação da Inteligência Artificial, incluindo um Conselho Ético para o Digital, eventualmente sob os auspícios da ONU, que limite o seu uso às aplicações que beneficiem a humanidade, fazendo prevalecer a vontade dos seres humanos em detrimento do poder do digital. A União Europeia e a OSCE têm dado passos neste sentido.

Para concluir, gostaria de, com esta reflexão, não transmitir a impressão de que não sou a favor da inovação e da modernidade. Muito antes pelo contrário! O que defendo, isso sim, é que devemos, enquanto seres inteligentes, procurar que a tecnologia seja criada com um propósito, num quadro de ética que preserve a dignidade do ser humano, que tenha um propósito humanista e que nos permita efetivamente conhecermo-nos melhor do que um qualquer algoritmo.

Cada vez mais dependemos da tecnologia para viver como vivemos. Mas não podemos deixar que seja a tecnologia a determinar como vivemos. Esta é uma responsabilidade coletiva porque são, sem dúvida, as pessoas que devem continuar a contar e também devem ser as pessoas que devem determinar e marcar a diferença.

Voltando à parábola que mencionei no início desta reflexão, parece evidente que, também desta feita, o “vinho novo” (novas descobertas tecnológicas) tem que ser colocado em “odres novos” (novas atitudes, ética digital, centralidade no ser humano). Se não o fizermos, corremos riscos de romper os odres, e perder o vinho, i.e., de não aproveitar o que de positivo para todos nós a dimensão digital nos pode trazer.



“A New Humanism in Church, Politics, and Science Challenged by Globalisation and Disruptive Technology.”

I thank the sponsors of our event: The John A. Ryan Institute for Catholic Social Thought and the Opus College of Business at the University of St. Thomas; the AESE Business School in Lisbon; the Markets, Culture and Ethics Research Centre at the Pontifical University of the Holy Cross in Rome; the Catholic Institute for Social Ethics in Mönchengladbach.

Our panel today bears the title “A New Humanism in Church, Politics, and Science Challenged by Globalisation and Disruptive Technology.” It was meant to be a public event during our 11th International Conference on Catholic social Thought in Business Education/7th International Colloquium on Christian Humanism in Society and Business that we could not hold physically in Lisbon due to the pandemic. The topic of the conference was “The Future of Human Work: Human Dignity in an Era of Globalization and Autonomous Technology.” It has been thrust upon us as a reality. What we held to be a “future scenario,” all of a sudden has become our present. We are relying on technology more than ever for our work; a kind of universal basic income is being handed out by governments of wealthy countries as stimulus; and at the same time, we are feeling how important human contact and sociability are! Nothing can replace human physical vicinity!

In these last months, there has been an unprecedented wave of compassion and care. From a purely social darwinistic perspective, Covid-19 would have been a brutal way of solving the problem of financing the pension and healthcare system by killing off the elderly, sick, and weak. The fact that nowhere in the world this was even considered as an option for public policy, is a sign how deeply our world has been transformed by Christian humanism. Imagine this pandemic in the pagan Roman world. Would they have cared? Would they have taken on enormous debt to protect everyone, also the slaves and the strangers?

G.K. Chesteron once wrote: “What is wrong in the world is that we don’t think what is right.” Now is the time to think about what is right, where we want to go, what we really want our world to look like. Our webinar on “The Future of Work” is taking place in the middle of a revolution. We are witnesses to history and can give future generations a key of understanding that they will no longer have. As Alexis de Tocqueville wrote: “great revolutions which succeed make the causes which produced them disappear, and thus become incomprehensible because of their own success.” Amazingly good things will happen in the future, we will see the blossoming of initiatives and of innovations that place the human person at their center – if we give those who come after us the key to a true humanism (and not only the debt we have accumulated and loaded on them in an act of generational theft).

We have an amazing panel with us today. Three important speakers who have a lot to share. They will speak in alphabetical order, and then answer your questions. Please use the Q&A button on your screen to pose your questions. We hope there will be many!

I will introduce each speaker before they speak.

Dr. Jose Manuel Durao Barroso

Received his law degree from the University of Lisbon (1978), continued his studies at the University of Geneva, where he earned a European studies degree and a master’s degree (1981) in political science. He then began an academic career, serving as a teaching assistant at both of his alma maters. He also taught at Georgetown University in Washington, D.C., where he did research for a Ph.D. In 1979 he founded the University Association for European Studies.

Having first been elected to the Portuguese Parliament in 1985, in 2002, he was elected prime minister of Portugal and in 2004 he was nominated as President of the European Commission. Dr. Barroso remained in the presidency for two five-year terms where he played an influential role in the passing of the Treaty of Lisbon, responding to the financial crisis and incorporating new members in the European Union, as the EU went from 15 to 28 countries between 2004 and 2014. For me, Dr. Barroso was the face of the European Union for many years: I always remember you smiling, positive and encouraging.

Prof. James Heckman

is the Henry Schultz Distinguished Service Professor of Economics at the University of Chicago, a Nobel Memorial Prize winner in economics and an expert in the economics of human development.

More than official words, here is the testimony of a Portuguese UG student of economics:

“For an undergraduate student of economics, James Heckman is a giant! The econometrics course would be deprived of half of its content if it were not for him. He opens you the door to measure all the "invisible" information behind data, at least as far as it is possible. You never know when the next measurement method invented by James Heckman is going to be presented to you.

But James Heckman is not just a great mathematician and econometrician. Understanding the causes of human development and skill development over the lifecycle has been his major quest in the last decades. When you think of Heckman you think of "child development". We often arrive too late when we try to intervene in adolescence and early adulthood. The amazing work of Heckman and his team at Center for the Economics of Human Development has shown us repeatedly the benefits of investing in the healthy development of children.”

He is currently editor of the Journal of Political Economy. He is also a member of the National Academy of Sciences, the Econometric Society, the Society of Labor Economics and the American Statistical Association, and a fellow of the American Academy of Arts and Sciences.

Cardinal Peter K.A. Turkson

Cardinal Peter Kodwo Appiah Turkson, Prefect of the Dicastery for the Promotion of Integral Human Development, former Archbishop of Cape Coast (Ghana), first Ghanaian Cardinal. He served as president of the Ghana Catholic Bishops’ Conference (1997-2004). After initial studies in Ghana, he then continued his studies in Rome at the Pontifical Biblical Institute, earning a license in Sacred Scripture (1976-1980), and then began work on his doctoral thesis (1987-1992). He also holds master degrees in Theology and Divinity from St. Anthony-on-Hudson, Conv. Franciscan Seminary, New York.

He has been in Rome since 2009, first as President of the Pontifical Council for Justice and Peace, since 2017 as Prefect of the new Dicastery. I have known Cardinal Turkson since 2012, he has been a kind friend and mentor, always supportive and encouraging my academic work on Catholic social thought, especially interacting with business people who wish to use their intelligence and their investments to help the poor. He supports social entrepreneurship, Impact Investment, the creation of work by business people who discover their entrepreneurial activities as a vocation, as Pope Francis has repeatedly stated.  


Mobirise

Gestores portugueses trabalham mais horas e o tempo rende menos

Mobirise

Ramiro Martins

Responsável Académico e Professor de Política Comercial e Marketing na AESE Business School.

Em entrevista ao Jornal Económico Ramiro Martins, coordenador do estudo sobre o impacto da pandemia na vida dos gestores, apresentado esta segunda-feira na AESE, destaca a boa recetividade ao teletrabalho, apesar de algumas dificuldades na gestão do tempo. 

Um estudo sobre o impacto da pandemia na vida pessoal e profissional dos gestores realizado na AESE Business School revela que 75% dos gestores que se encontram em teletrabalho apontam para um crescimento significativo das horas trabalhadas, com um crescimento ainda mais significativo da sua perceção do tempo que trabalham. Desse tempo, cerca de 50% é utilizado em reuniões online, com uma produtividade tendencialmente igual ou maior que as reuniões presenciais, sendo curiosa a diferente perceção entre homens e mulheres. 

O que mudou a pandemia na vida dos gestores portugueses?

A mudança mais relevante, mas menos surpreendente, é o teletrabalho. O estudo da AESE sobre “O impacto da pandemia na vida pessoal e profissional dos gestores” demostra que a esmagadora maioria dos gestores encontra-se em teletrabalho. A conciliação vida-trabalho não é evidente, mas a experiência não se esta a revelar desastrosa. Aliás os resultados apontam para uma boa recetividade, caso as empresas venham a sugerir a continuidade pos-pandemia de teletrabalho.

Que impacto está a ter o ‘home office’ na maneira como gerem o tempo?

Nota-se uma sobrecarga em horas de trabalho. Apesar da redução do tempo gasto em deslocações, uma enorme maioria revela trabalhar muitas mais horas. A explicação pode estar relacionada com a necessidade de adaptação às circunstâncias, mas dum modo geral, todos trabalham mais horas e o tempo parece render menos.

As reuniões de trabalho remotas são mais ou menos produtivas que as presenciais?

Os resultados do estudo da AESE Business School apontam para que o tele-trabalho seja menos produtivo que o trabalho presencial, mas as reuniões serem muito mais produtivas.

A oferta de formação online disparou, a maior parte das vezes, gratuita. Estão os profissionais a aproveitar o tempo para investir em formação online e no desenvolvimento de competências que os torne mais dotados para adoptar estratégicas mais adequadas à sustentabilidade dos negócios?

O estudo sugere que cerca de dois terços não tiveram tempo de fazer formação. O restante terço fez formação preferencialmente sugerida pela empresa, mas também por sua iniciativa em temas fora do contexto empresa.

O que mais o surpreendeu neste estudo? 

O que mais me surpreendeu neste estudo foi atitude positiva perante o futuro. Os gestores acreditam num mundo melhor pós-covid e duma forma geral acreditam que a sua vida terá mais oportunidades.

Acho que esta atitude irá favorecer uma rápida recuperação e será muito positiva para o país.

Entrevista feita pelo Jornal Económico

https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/gestores-portugueses-trabalham-mais-horas-e-o-tempo-rende-menos-587172



A AESE participou no Innovation Summit da COTEC, este ano com um FireChat em que se discutiu o tema “Industrial Marketing 101”

Mobirise

Joana Ogando

Professora de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School

Quando tantos livros de marketing nos orientam para a prateleira do supermercado, para o consumidor final, consideramos de significativa importância encaminhar a atenção dos dirigentes para o negócio que acontece entre empresas.

Ao contrário do que possa estar à espera, neste artigo não vou endereçar os 4P’s. Ao aduzir o marketing a partir duma perspectiva industrial, entendo que é mais útil adoptar uma abordagem distinta e direcionada ao tecido empresarial que, muito particularmente em Portugal, representa uma fatia tão significativa do PIB. A empresas de cariz industrial, que vendem principalmente produtos ou serviços a outras empresas, podendo apenas ocasionalmente servir directamente o consumidor final.

Destaco então um conceito fundamental — a importância da cadeia de valor no ecossistema empresarial — e saliento a necessidade imperiosa de conhecer não só o cliente mas o cliente do nosso cliente. Só conhecendo bem a cadeia de fabrico da nossa empresa, quem são os nossos fornecedores, quem são os nossos clientes, conhecendo o que quer o cliente do nosso cliente, podemos fazer repercutir nessa cadeia tudo aquilo que oferecemos a jusante. A isto alia-se, sem surpresa, a importância de conhecer a fundo o negócio próprio: os processos, os equipamentos, as equipas, os departamentos e as suas interligações. Associando estas duas esferas (conhecimento interno, com conhecimento externo) a empresa fica num patamar de verdadeira prontidão para aproveitar as oportunidades e reagir na eventual adversidade.

É por isso fundamental para qualquer actividade industrial compreender não só o seu negócio, a sua proposta de valor (aquilo que eu faço mesmo bem e melhor que os demais) as suas particularidades e as suas dificuldades, mas também aquelas dos seus fornecedores e clientes… e clientes dos clientes. Saber se estão a passar melhor, ou pior, com aumento ou redução de negócio, se estamos a conseguir endereçar as suas necessidades, e atentamente verificar se há novas oportunidades no mercado, quer sejam pontuais, extemporâneas, ou quiçá duradouras.

Se isto já era verdade no passado, mais ainda se verifica em ambiente pandemia. Neste novo contexto temos de estar atentos ao nosso ecossistema empresarial, a todas as conexões que temos com clientes e fornecedores, com reguladores, com prescritores. E aos riscos (mas também oportunidades) decorrentes da interdependência. Veja-se o caso da China e do seu papel como fornecedor, até em regime de exclusividade, de produtos, componentes ou ingredientes para tantas empresas portuguesas.

Deixo um exemplo de boas práticas adoptadas por alguns fornecedores multinacionais que em Abril de 2020 sugeriram proactivamente conceder aos seus clientes empresariais uma extensão do prazo de pagamento durante os meses de confinamento. Para uma tesouraria constrangida, esta “pequena” medida tem um impacto imediato trazendo não só oxigénio financeiro, como ainda gera boa-vontade entre parceiros de negócio. Num ambiente de verdadeira parceria as vantagens que gerarmos podem beneficiar todos os intervenientes da cadeia de valor, evitando que estes colapsem ou entrem em falência. Não chamaria a esta sugestão uma manobra de marketing empresarial, mas uma forma de estar que gera confiança e reforça o negócio no longo prazo. Um círculo virtuoso.

Temos mais exemplos de organizações que, neste momento de pandemia souberam identificar e aproveitar essas oportunidades: o zelo e flexibilidade com que algumas empresas têxteis conseguiram em poucos dias começar a fabricar máscaras e a determinação com que conduziram um processo de certificação, mostra que conhecem bem os seus equipamentos, as suas equipas, os seus processos, operações, sistemas, bem como a sua cadeia de valor, e assim conseguiram adaptar-se, dando resposta a uma nova necessidade em tempo verdadeiramente útil.

Outro exemplo vem de algumas farmacêuticas (Hovione e a Edol, entre outras) que se viraram para o fabrico de gel desinfectante de mãos. Tantos outros exemplos haverá, de diversas outras áreas, que souberam estar atentas ao seu envolvente para dar resposta a novas exigências. As circunstâncias que atravessamos actualmente, com o covid, mostram que a capacidade de adaptação é garante de sobrevivência. Como é compreensível, esta agilidade depende em grande parte de conhecer os parceiros, de conhecer as pessoas que estão do lado do fornecedor ou cliente, de estar disponível para ouvir a sua voz numa relação empresarial duradoura. Desse “conhecer”, um destaque para a importância das recomendações de terceiros que, quando bem transmitidas e verificadas, podem trazer uma camada adicional de confiança.

Neste “Industrial marketing 101” destacámos a importância de conhecer, programar, utilizar, ferramentas de marketing, articuladas com um conhecimento profundo da cadeia de valor de cada sector, e de como é determinante aliá-los à estratégia da empresa como um todo. A definição da própria estratégia da empresa, gizada pelos seus dirigentes, verte-se em como a empresa faz o que faz, em concreto na forma como desenha as suas operações. Por isso é tão importante o alinhamento Estratégia-Marketing-Operações. Quando bem articuladas entre si, estas dimensões são fonte de vantagem competitiva para qualquer empresa.

Apesar destas ideias não serem novidade (a título de exemplo, o livro “Marketing B2B - Uma abordagem prática em mercados industriais”, de André Vilares Morgado, sintetiza o resultado da sua investigação nestes conceitos de marketing industrial), fazem ressoar teorias que devem ser trazidas para a ribalta pois uma equipa dirigente profundamente conhecedora do seu sector e respectiva envolvente será mais flexível e estará mais preparada… e aquele que melhor se adapta é o que sobrevive.



Cuando más difícil es hacer estrategia, más la necesitamos

Mobirise

Adrián Caldart

Adrián Caldart é Presidente do Conselho Académico da AESE e Professor da AESE e do IESE Business Schools

Corren tiempos duros para los estrategas empresariales. Desde hace varios años, existe un consenso amplio entre empresarios, directivos, consultores y académicos respecto de que un creciente número de sectores económicos enfrentan entornos de negocios crecientemente cambiantes. Factores tales como el impacto de la digitalización en muchos modelos de negocio, el ascenso de China, y Asia en general, en el concierto económico mundial (y las tensiones geopolíticas resultantes), los riesgos latentes derivados de los desequilibrios macroeconómicos globales y la irrupción de la sostenibilidad ambiental como factor central en la estrategia de muchas empresas son citados habitualmente entre los factores que explican esta mayor turbulencia en los entornos de negocios. Esta realidad suele describirse con la ayuda de cuatro conceptos que componen el conocido acrónimo VUCA: volatilidad, incertidumbre (uncertainty en inglés), complejidad y ambigüedad.

La consecuencia de vivir en un “mundo VUCA” es la creciente dificultad que enfrentan los estrategas a la hora de trazar un rumbo para sus organizaciones. Fijar un rumbo requiere tener una idea razonablemente clara acerca de hacia dónde queremos llevar a nuestra empresa (Visión) y de cómo vamos a articular el conjunto de iniciativas, normalmente plurianuales, para alcanzar la Visión (Plan Estratégico). Dicha visión y los planes consecuentes se basarán necesariamente en un conjunto de supuestos, es decir, estimaciones que el estratega hace sobre cuál será la evolución de los factores clave del entorno que afectan a su empresa.

El problema de los entornos altamente cambiantes es que dichos supuestos del estratega “caducan” rápidamente y deben ser redefinidos con mucha frecuencia, lo cual puede conllevar que la empresa deba alterar sustancialmente sus planes y hasta su visión o por lo menos alterar los horizontes temporales para los mismos. En el extremo, esta situación puede crear a dudas acerca de la utilidad misma de la planificación plurianual como herramienta de gestión.

“Eramos VUCA y llegó el COVID”

Como si los estrategas no tuvieran suficientes dificultades con la tarea de forjar un rumbo a mediano plazo en un mundo en permanente cambio, el año 2020 ha traído consigo un nuevo elemento enormemente disruptivo de los entornos de negocios como lo es la pandemia de COVID-19 y la crisis económica global asociada a la misma, la cual será especialmente grave en la UE. Con caídas de PIB esperadas de entre 6 y 12% en La mayoría de los países de la UE para 2020, ciertamente muchas empresas europeas habrán debido revisar a fondo la visión y los planes estratégicos diseñados a partir de supuestos muy distintos. En la tabla 1 resumimos algunos de los cambios en los entornos de negocios derivados de la pandemia del COVID-19. ¿Cómo conciliar mi estrategia con un cambio de entorno de estas características?

Tabla 1. Cambios en el entorno generados por la pandemia del COVID-19


Mobirise

Sea ágil, pero no olvide que tiene una estrategia. Los cambios abruptos resultantes de una crisis como la resultante del COVID-19 pueden convertir a nuestra visión y a nuestros planes estratégicos en poco adecuados e, incluso, en ilusorios. Sin perjuicio de ello, consideramos que nunca puede enfatizarse en exceso que estas situaciones no deben implicar el abandono de una mentalidad estratégica para abordar nuestro negocio y su sustitución por un pragmatismo puramente tacticista supuestamente superior en nombre de la “flexibilidad” o la “agilidad”. En tiempos de crisis, muchas empresas, en su afán por resolver urgencias o aprovechar oportunidades coyunturales, se vuelcan a una verdadera hiperactividad a nivel táctico “apuntando a todo lo que se mueve”. Sin duda, la capacidad de reacción rápida ante una severa crisis es una virtud y en muchas ocasiones permite a la empresa adaptarse rápidamente a una nueva situación y neutralizar las consecuencias negativas de una crisis a corto plazo, que pueden ser muy graves. Sin embargo, estas iniciativas deben confrontarse con el posicionamiento estratégico de fondo de la empresa. De lo contrario, existe el serio riesgo de que la hiperactividad táctica irreflexiva acabe por dañar un posicionamiento estratégico atractivo y aún valioso, logrado tras mucho tiempo y esfuerzo.

¿Y si mi posicionamiento ya no es viable o deseable? Existe la posibilidad de que, en un escenario realmente grave para la empresa, se llegue a la conclusión de que el posicionamiento estratégico anterior a la crisis ya no es sostenible o deseable. ¿Qué hacemos? En ese caso, debemos decidir de modo explícito y consciente, a nivel de los órganos de gobierno de la organización, si estoy dispuesto renunciar a mi estrategia en aras de salvar una coyuntura difícil o si, por el contrario, prefiero “sufrir” más a corto plazo con tal de conservar mi posición y mis capacidades estratégicas intactas, e incluso hasta fortalecerlas, para relanzarme rápidamente “el día después”. Lo que no puede ocurrir es que mi posicionamiento estratégico cambie de modo inadvertido, implícito, como “efecto colateral” de mis movidas tácticas imprudentes durante la crisis.

Por ejemplo, consideremos el caso del negocio de los congresos académicos internacionales. Ante la imposibilidad de realizarse de modo presencial debido a las restricciones en el tráfico aéreo y en las reuniones masivas de personas, este verano muchos de estos congresos serán celebrados de modo remoto y transmitidos por streaming, ofreciendo al participante un coste de inscripción muy reducido, casi simbólico. ¿Volverá eventualmente el público a apreciar la experiencia de asistir presencialmente a un congreso, gastando alrededor de € 2.000 entre matrícula y gastos de deslocalización por tres o cuatro días una vez superada la pandemia? ¿Convivirán en el futuro un congreso presencial fuerte con el agregado de un gran número de nuevos participantes online, ampliando el negocio total a largo plazo y el número de participantes del congreso? ¿O bien será la solución online un hallazgo low cost para muchos antiguos participantes, quienes optarán por abandonar su hábito de asistir al congreso presencial y provocando su desaparición? Estas son preguntas cuya respuesta no es obvia “ex-ante”, pero que es preciso plantearse y contestar con cuidado antes de lanzarse de modo irreflexivo a la búsqueda de soluciones rápidas.

Concluyendo, consideramos que el valor del pensamiento y el planeamiento estratégicos no sólo se mantiene, sino que crece significativamente en escenarios de crisis. En tiempos de prosperidad, los vientos favorables a veces “perdonan” una cierta falta de rumbo, pero en tiempos de crisis este error se paga rápidamente. En cualquier caso, con o sin crisis, ninguna empresa es capaz de construir un posicionamiento competitivo exitoso y sostenible en el tiempo sin una visión articulada de modo coherente a través de un plan a través de varios años. La tan predicada agilidad táctica es una capacidad muy valiosa, y en ocasiones hasta indispensable, pero debe encuadrarse en la orientación general de la estrategia. Desestimar su importancia condena a la empresa a deambular por su sector sin distinguirse realmente en nada y carente de criterio para identificar sus verdaderas oportunidades pues “cuando no se sabe adónde se va, todos los autobuses nos llevan”.



Improvisação não é flexibilidade

Mobirise

José Miguel Pinto dos Santos

Professor de Finanças e Diretor do Executive MBA AESE

É conhecida a pouca apetência dos portugueses pelo planeamento. Poucos profissionais planeiam a sua carreira, poucas empresas planeiam o seu desenvolvimento e o estado pura e simplesmente não planeia as reformas necessárias ao desmantelamento da superestrutura corporativa institucionalizada durante o Estado Novo e fossilizada no Novo Regime, reformas indispensáveis para o desenvolvimento económico e social nacional.

Planeamento é pensar imaginativamente sobre o que pode acontecer no futuro à nossa envolvente: aos nossos clientes e fornecedores, produtos e mercados, seja como profissional, seja como empresa, seja como estrutura política. E é refletir estruturadamente sobre como aproveitar esses acontecimentos para o desenvolvimento da nossa carreira, negócio e nação. O importante num processo de planeamento não são tanto os “planos que se escrevem” mas o “pensamento sobre o que pode acontecer” e “sobre o que se pode fazer”. Como Dwight Eisenhower dizia, “planning is everything, the plan is nothing.” 

Menos conhecidas são as causas desta pouca apetência nacional pelo planeamento. Será genético? Não deve ser, uma vez que muitos portugueses se distinguem em empresas internacionais, com diferentes culturas organizacionais, pela sua visão e capacidade de preparar o futuro. Será viral? É duvidoso que um vírus se mantenha virulento há já tanto tempo, uma vez que moralistas, laicos e religiosos, vituperam esta incapacidade nacional pelo menos desde o século 17, e que desde então muitos nacionais se orgulham publicamente da sua capacidade de improvisação, desenrascanço e jogo de cintura, para já não referir o chico-espertismo e contos-do-vigário. 

Observação atenta sugere, no entanto, outra explicação. O processo de decisão em grande número de organizações nacionais é pouco participativo e muito concentrado numa pessoa ou num pequeno grupo. Para além das muitas desvantagens que um sistema decisório assim “estruturado” acarreta, também conduz a mudanças abruptas e injustificadas de decisões e “estratégias”. Estas mudanças, ditadas mais pelo lado para o qual o chefe acorda do que por substanciais mudanças na envolvente estratégica, tornam qualquer tipo de planeamento inútil, uma vez que é mais a incerteza gerada no interior da organização do que a que existe nos seus mercados. 

Mas, para quê planear se já somos tão flexíveis? Os portugueses não são flexíveis. Improvisação é sintoma de pouca flexibilidade, é o desenrascar de algo que não foi previsto, pensado e estudado. O génio, a visão estratégica, a qualidade de produto ou serviço, e a sabedoria de vida nunca são resultado do desenrascanço. São consequência da preparação, isto é, do planeamento.


Diversidade e Inclusão

Mobirise

Fátima Carioca

Dean da AESE e Professora na área
de Fator Humano na Organização.

A morte de George Floyd provocou uma onda de indignação pelo mundo inteiro. Indignação aumentada pelo fato de estarmos em plena pandemia global que não discrimina nem países nem pessoas. Pelo contrário mostra-nos que somos todos igualmente frágeis e vulneráveis e, nesse sentido, temos todos um apelido comum: Humanidade. Uma ameaça invisível que nos levou a desenvolver, sem hesitar, comportamentos novos como o distanciamento social e potenciar atitudes de maior colaboração a nível mundial para conter a sua propagação e, sobretudo, para encontrar uma vacina, esperando que seja a solução definitiva, tanto quanto isso exista.

Neste cenário, o acontecimento de Minneapolis poderia parecer paradoxal, mas a verdade é que, antes da pandemia, o crescimento de fações políticas de cariz extremista era já uma tendência apontada pelos analistas políticos. Por curiosidade, recordo que precisamente um ano antes, em Maio de 2019, realizaram-se as eleições europeias daí resultando que um quarto dos membros do Parlamento Europeu não acredita na Europa enquanto projeto comum e opõe-se a quaisquer políticas de integração de migrantes. 

No mundo empresarial, a diversidade é, desde há muito, entendida como uma enorme riqueza. Seja em termos de raça, idade, sexo, religião, formação académica, origem cultural, aptidões ou qualquer outro fator que reflita a diversidade, esta traz para a empresa visões, competências, estruturas de prioridades, crenças e, inclusivamente, formas de comunicar e métodos de processamento de informação muito variados entre si. O resultado idealizado é um ecossistema cultural mais preparado para lidar com novos contextos e desafios que reclamam soluções inovadoras, diferentes das habituais. 

Mas a convivência na diversidade coloca questões complexas. Vendo bem, sempre as colocou desde a Antiguidade, basta ler qualquer um dos escritos de Heródoto ou, se preferirem, algum autor português da época dos Descobrimentos. Superar essas questões exige algumas atitudes básicas como a empatia, a tolerância com outras posições sem abdicar das convicções próprias, nem adotar uma posição cética ou relativista na busca da verdade, uma proximidade atenta aos que nos rodeiam, uma sabedoria prática que permita equilibrar princípios básicos universais e permanentes (como por ex. não matar, defender a vida) com situações específicas fruto de raízes culturais diferentes e, finalmente, capacidade de diálogo construtivo e fundamentado no respeito à dignidade e direitos humanos. 

Contudo, pensar apenas em termos de convivência é curto. Pode dar azo à indiferença e nesta se alimentam muitas vezes os preconceitos e os ódios. No relatório “Diversity wins: How inclusion matters” publicado pela McKinsey a 19 de Maio deste ano, 52% dos colaboradores demonstravam considerar que a empresa tinha uma boa atitude ante a diversidade, enquanto apenas 29% avaliavam a empresa como inclusiva. De facto, ser uma empresa inclusiva é algo mais, é construir uma identidade cultural, é procurar a unidade, preservando a diversidade que lhe dá cor, é harmonizar as diferenças dentro de um projeto comum. É um processo constante no qual cada um dos que trabalham na empresa se sente envolvido. É um trabalho de artesanato, lento e persistente, que exige querer integrar e integrar-se, fazê-lo partilhando o seu próprio talento e acolher em equipa o talento dos outros, é recusar toda a forma de agressão, é procurar a justiça nas decisões, é promover a igualdade de oportunidades. 

Em sociedade, passa-se algo semelhante: a sociedade é plural por si mesma (só em Portugal, sensivelmente 1 em cada 12 habitantes é imigrante). O que está em causa é a inclusão social, ou seja, a vivência concreta duma unidade que respeite e salvaguarde as diferenças. Por isso, é necessário trabalhar para que as pessoas e as comunidades em geral, possam ter acesso a um conjunto de condições indispensáveis, como a educação, um trabalho digno, assistência sanitária, etc. e assim alcançar os níveis mínimos de sustentabilidade que tornem possível um desenvolvimento humano integral. 

De entre muitas medidas possíveis, o investimento em educação, logo desde a primeira infância no âmbito familiar, é, de acordo com o trabalho pioneiro do Professor James Heckman da Universidade de Chicago, prémio Nobel da Economia, que falará na AESE Online no dia 25 de Junho 1, uma estratégia de baixo custo com elevada eficácia na promoção da inclusão social e do crescimento económico. A sua célebre equação afirma que investir em recursos educativos para crianças em risco, desenvolver as suas habilidades cognitivas e o caráter até aos cinco anos, continuar a desenvolver com educação eficaz ao longo da vida, significa ganhar cidadãos mais capazes, produtivos e úteis, que geram dividendos (um ROI de 13%) para as gerações vindouras. 

Na realidade assim é, a educação, com qualidade, dado o seu poder transformador é sempre um excelente investimento. Pelo contrário, o custo do não investimento é uma grave perda de potencial humano e económico com trágicas consequências sociais. É também pela educação que reforçamos a visão que temos de futuro. Se sonhamos com um modelo de sociedade próspera, justa e economicamente saudável é aprendendo com outros que descobriremos caminhos e soluções e é ensinando que daremos continuidade ao sonho. E com tudo o que conseguirmos, o mundo inteiro já estará a ganhar.


Liderar a transformação

Mobirise

Agostinho Abrunhosa

Agostinho Abrunhosa é Professor de Operações, Tecnologia e Inovação da AESE Business School.

O mundo mudou. O tsunami da pandemia parou indústrias e obrigou muitas organizações a adaptarem-se. Este artigo da McKinsey fala-nos da transformação organizacional e dos ingredientes para ser bem-sucedida: bom entendimento do contexto, visão de futuro bem articulada, líderes que catalisam energias e ideias, e uma metodologia rigorosa. Dois temas são centrais para os dirigentes de topo: uma visão inspiradora e a mobilização das energias e ideias.

Uma visão bem estruturada da transformação congrega e inspira stakeholders internos e externos. É preciso defini-la desde o início, arquitetá-la nos seus principais elementos, criar objetivos intermédios para ligar o presente ao futuro e comunicá-la para que ressoe nas pessoas e crie uma onda positiva. 

Energia e ideias são fundamentais para alimentar o motor da transformação. Segundo um estudo, 57% dos executivos envolvidos em transformações bem-sucedidas disseram que as suas organizações conseguiram congregar a energia organizacional. Para o conseguir é preciso catalisadores e envolver as pessoas. Para suscitar ideias é preciso responder a: Porque mudar? O que mudar? Quem mudar? Como mudar? E são essenciais processos disciplinados e ágeis para gerar ideias, desenvolvê-las e aplicá-las. 

É ainda preciso gerir o ritmo da mudança, necessariamente rápida, consolidá-la, vivê-la e formar as pessoas. A transformação é um grande e exigente desafio para todos, ainda mais agora, mas bem conduzida pode levar a novos níveis de desempenho e a um futuro mais flexível e resiliente. 

Vale a pena ler e aproveitar ideias.

Mobirise

Article #51
2-06-2020

Tendências Económicas no Contexto Post-COVID 

Mobirise

Luís Cabral

Professor de Economia na NYU Stern School of Business e na AESE Business School.

Durante as duas primeiras décadas deste século assistimos a uma série de mudanças na economia e na sociedade. Sem querer hierarquizar a importância de cada uma, podemos incluir: (i) a terceira fase da Revolução Digital, isto é, o desenvolvimento da inteligência artificial com tecnologia genérica; (ii) a re-organização do trabalho e da empresa (e.g., a emergência da 'gig economy'); (iii) a continuação (aceleração?) do processo de globalização; (iv) os desafios das alterações climáticas e da desigualdade económica e social; (v) a diferente mentalidade das novas gerações; (vi) a reflexão sobre o papel relativo do Estado social, da União Europeia e de outras instituições.

Como se estes não fossem desafios suficientes, o ano 2020 trouxe-nos um choque adicional — e, de alguma forma, inesperado — que, essencialmente, colocou a economia mundial em 'pausa'. À medida que a crise de saúde se resolve, a pergunta mais natural que se põe — a pergunta a que Luis Cabral tentará responder — centra-se na determinação do 'novo normal' na era post-COVID, nomeadamente à luz das grandes tendências acima descritas. 

Hoje a nossa recomendação a sessão online do Prof. Luís Cabral, já no próximo dia 4 de junho, às 18:00, para a qual se pode inscrever aqui>>


Article #50
1-06-2020

O trade-off entre eficiência e resiliência

Mobirise

José Miguel Pinto dos Santos

Professor de Finanças e Diretor do Executive MBA AESE

A ciência económica é a arte da escolha. Investiga como recursos limitados podem ser combinados para produzir bens e serviços, e como o produto pode ser distribuído. Recursos produtivos é principalmente capacidade de trabalho, mas são também conhecimento técnico e organização social, equipamentos, infra-estruturas e recursos naturais. O produto são bens de consumo como pão, cerveja e bifes, serviços como consultas médicas, filmes de terror e debates parlamentares, e investimento em capacidade produtiva futura. Distribuição é a repartição do produto ou rendimento entre, usando pontualmente a castiça terminologia marxista-leninista, produtores e parasitas. Tudo isto é sobejamente conhecido.

Menos lembrado é que a gestão económica é a arte do equilíbrio. É o balancear da eficiência com a resiliência. Eficiência é conseguir mais com menos. É a menina querida de economistas, políticos e gestores, e não há working-paper, discurso ou plano estratégico que não a mencione. Resiliência é a capacidade de sofrer pouco caso algo corra muito mal. É a gata-borralheira dos gestores públicos e privados nacionais, nunca mencionada nos debates, sempre esquecida nas políticas.

Tanto a eficiência como a resiliência são desejáveis, mas uma tem custos em termos da outra. Quando se aumenta a eficiência de um sistema é usual que ele perca um pouco de resiliência, e quanto mais resiliência ele tiver menos eficiente será. Um exemplo deste trade-off é o sistema just-in-time: a eficiência de um processo produtivo aumenta à medida que os stocks de matérias-primas e produtos em curso tendem para zero. Stocks são recursos parados, e recursos parados são um desperdício, uma perda de eficiência. No entanto stocks são absorsores de choques. Permitem que o sistema continue a operar na ocorrência de imprevistos, como um atraso na entrega de um componente. Um aparte: note-se que o just-in-time é tanto mais possível para as empresas tanto quanto mais a infra-estrutura pública e social for resiliente, isto é, quanto mais capacidade excedentária tiver para evitar que ocorram engarrafamentos rodoviários, laborais, legais, administrativos e outros. As empresas podem ser tão mais eficientes quanto mais gordo foi o investimento em bens públicos. O just-in-time será possível no Japão; é impossível em Angola.

Uma área em que este trade-off também se faz sentir são as finanças, as públicas e as privadas. Dinheiro em caixa não rende e é uma ineficiência: mas evita apertos. Empréstimos poupam capitais próprios e são eficientes (se o ROI for superior à taxa de juro que efectivamente se suporta): mas aumentam o risco e diminuem a resiliência. Reservas de ouro, direitos especiais de saque e obrigações do governo americano podem ser aplicações pouco eficientes do dinheiro público: mas aumentam a capacidade de enfrentar crises e constituem uma pesada herança alegremente recebida por gerações futuras.

Mas para que serve a resiliência? Serve para enfrentar crises com um mínimo de desconforto e em casos mais extremos, permite mesmo a sobrevivência. Que tipo de crises? Quase todas: crises nos nossos parceiros comerciais que fazem reduzir as nossas exportações ou tornam mais caras as importações; crises humanitárias como invasões pacíficas de refugiados e crises militares como invasões belicosas de exércitos inimigos; crises na saúde pública como pandemias desconhecidas e crises por desastres naturais como terramotos e tempestades; crises demográficas e crises no sistema financeiro e na segurança social. Estas crises podem ser enfrentadas de dois modos: ou aguentando-as com longanimidade, ou combatendo-as com dinheiro e com aquilo que o dinheiro compra: alimentos, alojamentos, armamentos, medicamentos e as tecnologias e equipamentos que lhes dão corpo. Na falta de dinheiro resta ao povo aguentar. Que o povo aguenta, aguenta, mas à custa de um sofrimento inútil porque evitável. Evitável como? Operacionalmente com folga, financeiramente com reservas. E como se cria folga? Com investimento. E como se constroem reservas? Com poupança.

O trade-off entre eficiência e resiliência encontra-se presente em toda a actividade económica mas, em Portugal, parece passar desapercebido às famílias, às empresas e ao Estado. Evidência? Observe-se a insolvabilidade crónica das famílias: falta de reservas. Contemple-se os gargalos perenes nos serviços públicos, da justiça à saúde: falta de folga. Aprecie-se a insolvência regular do estado: despesismo em excesso. Pondere-se a inveterada descapitalização das empresas e as suas consequências: sobre endividamento e pré-falência.

Mas a resiliência não é importante apenas para sobreviver a crises. É um elemento fundamental para a confiança dos agentes económicos, confiança essencial para a expansão do consumo das famílias e investimento das empresas, motores sustentáveis do crescimento e da criação de emprego.

Artigo publicado no Público a 26 de Novembro de 2015.

Mobirise
Mobirise

Contacto: article@aese.pt

    

© Copyright 2020 AESE Business School